sábado, 28 de fevereiro de 2015

Opinião - "De Profundis, Valsa Lenta", José Cardoso Pires


Sinopse

«Memória, Memória Descritiva e, daí, Memória duma Desmemória poderia chamar-se a este relato se o rigor científico me tolerasse um título de metáfora tão esguia e o gosto da escrita o não rejeitasse por exibicionismo fácil. Todavia, culpa minha, foi na memória ou na tragédia da memória que, com maior ou menor erro, concentrei o acidente vascular cerebral que acabo de redigir. Se esse enfocamento é aceitável do ponto de vista neurológico não sei, mas foi a experiência sofrida que mo ditou na interpretação forçosamente diletante em que a tentei descrever.»

"Devo dizer-lhe que é escassa a produção literária sobre a doença vascular cerebral. A razão é simples: é que ela seca fonte de onde brota o pensamento, ou perturba o rio por onde ele se escoa, e assim é difícil, se não impossível, explicar aos outros como se dissolve a memória, se suspende a fala, se embota a sensibilidade, se contém o gesto. E, muitas vezes, a agressão, como aquela que o assaltou, deixa cicatriz definitiva, que impede o retorno ao mundo dos realmente vivos. É por isso que o seu testemunho é singular, como é única a linguagem que usa para o transmitir."
Prefácio do professor João Lobo Antunes


Opinião

É muito difícil exprimir uma opinião acerca deste livro, nascido de uma experiência tão pessoal e marcante como um acidente vascular cerebral, sofrido pelo autor. Tal dificuldade evidencia-se talvez no comprimento desta opinião, inversamente proporcional à riqueza do relato de De Profundis, Valsa Lenta. Isto porque sinto que não sou nada perante o que o autor experienciou, nem me aproximo da compreensão do que é experimentar a morte branca que descreve, para depois voltar à vida, regressar personalizado de tamanha despersonalização. Não é uma obra que seja classificável ou que me pareça sequer criticável, por ser tão despretensiosamente pessoal.

Resta-me apenas afirmar que é um relato comovente da experiência de alguém de grande valor intelectual que se vê repentinamente desprovido de referências por uma partida do corpo, e da sua recuperação contra todas as expectativas, escrita sem apelo a sentimentalismos, mas entregando-se a uma reflexão sobre a ironia e peculiaridade de certas situações que marcaram o seu processo de recuperação. Torna-se uma obra especialmente relevante para quem se interessa pela área da saúde, partilhando o autor uma perspectiva íntima de uma patologia na qual dificilmente saberemos colocar-nos no lugar do outro de forma a compreender o que este vivencia.


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