sábado, 25 de julho de 2015

Opinião - "Sem Pecados na Culpa" - Ana Macedo

Sinopse

"Sem Pecados na Culpa é um livro forte e complexo no modo como visualiza situações bem próximas das realidades das famílias contemporâneas, mas também deixa antever a fragilidade, a instabilidade, a insegurança, o desequilíbrio afectivo, o refúgio em si próprio e no mundo imaginário da personagem principal."


Opinião

Ana Macedo presenteia-nos, em Sem Pecados na Culpa, com a peculiar história do jovem João que vive mergulhado no sofrimento de uma doença psiquiátrica que lhe oferece uma realidade alternativa, onde vive um amor sem limites com a incrível e totalmente fictícia Aimee.

Acompanhamos a vida de João desde a sua adolescência, altura em que nos é apresentado como um rapaz pacato e sensível com uma imaginação extraordinária, que aos poucos e poucos vai descobrindo a natureza da disfuncionalidade da sua família, que aos poucos e poucos se apercebe que é fruto de um casamento sem amor, que aos poucos e poucos deixa de saber onde encontrar o perdão para dar à mãe fria e ausente e ao pai, que apesar de todos os esforços, não consegue aproximar-se.

João cresce, forma-se médico e casa com Maria. Ao longo da leitura, por vezes temos a certeza que João é verdadeiramente apaixonado por Maria, outras vezes, porém, parece-nos que apenas procura nela a Aimee dos seus sonhos. João torna-se um homem, mas não lhes consigo dizer se um homem bom ou mau, e grande parte do mérito deste livro reside nessa dúvida! É que esta personagem é um imprestável de um marido, um médico irresponsável, bem, um valente idiota! Mas é também o resultado de uma criança que cresceu sem amor, que viveu numa mentira, vítima e escravo da sua própria mente. Mas ao mesmo tempo tem um insight tão grande do errado das suas acções e tanta dificuldade em pedir desculpas -
Ela pensava que eu era mau, e com razão, porque eu nunca pedia desculpas - que o leitor acaba por se perder na dificuldade em discernir se João é mesmo mau ou se o podemos compreender face à sua doença. Impõe-se a questão: até onde podemos desculpabilizar as acções dos outros pela inclinação e tortuosidade do caminho que percorreram, pelas mazelas que sofreram, pelo que o mundo os obrigou a ser?

Quando o ouvimos dizer 
Nunca soube amar e, mesmo assim, continuava a cair no erro de o fazer ficamos a querer acreditar que João ame mesmo Maria, mas à sua maneira, uma maneira difícil de ser aceite, uma maneira despreocupada e desleixada, uma maneira que deixa transparecer como facilmente deixamos de investir nas relações quando as tomamos como certas.

Sem Pecados na Culpa retrata bem as relações interpessoais, a complexidade do ser humano nas suas incertezas, na sua tão grande vontade de dizer o que sente e na sua ainda maior incapacidade de o fazer.

O fim, apesar de previsível desde uma fase muito inicial, era o necessário, ainda que nos deixe com a sensação de fracasso na luta contra os nossos demónios interiores, mas é assim a vida, nem sempre conseguimos escapar daquilo que somos, nem sempre nos conseguimos afastar do que nos mata.

Em alguns momentos senti que a narrativa não avançava ou avançava devagar, o que possivelmente se deve a ser um livro mais sobre pessoas e de como as suas acções têm consequências do que propriamente sobre as acções em si. Uma linha temporal confusa também me deixou um pouco reticente, mas consigo enquadrá-la no facto da maior parte do livro nos ser narrada pelo protagonista para quem o tempo poderia não ser algo muito exacto e relevante.

Apesar de ter gostado da simplicidade da escrita, conseguida pela fluidez dos discursos do quotidiano, que tornam a leitura muito fácil e agradável, nota-se que há muito potencial a ser trabalhado e, nesse sentido, gostava mesmo de ler algo mais amadurecido desta autora.

O título da obra foi muito bem conseguido, quantas não são as vezes em que nos sentimos culpados sem termos cometido nenhum pecado a não ser termos sido nós próprios?

Termino deixando-vos um excerto que conseguiu despoletar na minha pessoa um profundo suspiro e um enorme sorriso por ser, simplesmente, das mais bonitas descrições que li nos últimos tempos acerca desse tão abstracto sentimento que os mais entendidos ousam chamar de Amor.

Só quem ama consegue acreditar verdadeiramente em algo, seja em Deus, na vida, na essência real, num propósito rico em alegrias que nos leve a percorrer este caminho espinhoso a voar. Se amas, descobres euforias, ridículas aos olhos dos não iluminados; abrem-se horizontes de sonhos sem fim, o teu olhar abrange o mundo, e tens angústias por ver tão pouco amor à tua volta. Choras e ris como quem abre e fecha os olhos, como quem passeia os dedos pelas páginas de um livro que devora. Cantas e gritas porque és dono e és posse, porque estás preenchido e não podes controlar nada do que te preenche, porque o amor toma conta de ti. Se nunca amaste vais achar-me um idiota, um poeta talvez. Mas se algum dia experimentares o sabor de uma ausência que te pese, um beijo que te envolva até à alma…vais atribuir muitas mais palavras a este sentimento, porque então será o teu.





Um muito obrigada à Ana Macedo pela disponibilidade em nos ceder os seus livros!

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