Sinopse
"Apoiou as mãos na pia.
Olheiras e o reflexo. Número sete. Tarja preta. Respirou fundo. Não
queria morrer, apenas acabar com a dor que parecia esmagar o peito.
Angústia de dias. Solidão e lágrimas que não se desgrudavam e já eram
convidadas sem qualquer educação. Olhou mais uma vez para o espelho.
Vermelhos. Sem fim. Joelhos no chão. Dorso pendente. Piso claro molhado.
Olhos fechados e a serenidade da escuridão.
O silêncio e um melódico
ressonar embriagavam o apartamento. Apenas. Nada se mexia. Nem as
plantas ousavam piscar os olhos. Porta aberta. E os gritos subitamente
romperam o silêncio e pararam diante do ressonar. Pausa que durou a
eternidade de todos os sóis. Lágrimas desesperadas tentavam mexer o
corpo. Tentavam. Mais gritos. Respiração profunda e olhos arregalados.
Mais uma vez a serenidade da escuridão. Pernas em movimento e nada se
achava. As agendas haviam sumido, as canetas evaporado, a voz embargara.
Enfim, à procura da salvação, do olhar dele, da palavra não dita."
Opinião
Não devemos julgar um livro pela
capa, é certo. Mas, quando num fundo branco me saltaram à vista as palavras graficamente
apelativas Do Caos, foi inevitável o
desejo de abrir o livro. Portanto, confesso: escolhi o livro pela capa e quando
o folheei e percebi que tinha uma estrutura pouco habitual fiquei ainda mais
curiosa.
Do caos- A Depressão em Fragmentos trata-se de um diário de alguém deprimido, onde nos são apresentados vários textos, ou fragmentos se preferirem, datados entre 2001 e 2004 e divididos em primeiro e segundo livro (honestamente não percebi a divisão nestas duas partes). Este relato deixa-me dividida. Se por um lado gostei da capacidade de por em palavras e de uma forma quase poética o desespero da depressão, por outro lado o caos de vocábulos, a fragmentação das ideias, a distorção das frases incompletas e a mistura de vozes tornou a leitura confusa. Porém, tenho de admitir que possa ter sido esse o propósito. Talvez o objectivo do escritor fosse levar a empatia ao extremo e fazer o leitor sentir o verdadeiro sofrimento de se estar preso dentro de si mesmo, onde não há saída e é impossível a fuga aos círculos viciosos da mente.
Somos, desde a primeira página,
forçados a sentarmo-nos ao lado do autor que se encontra em constante conflito
interior, entre o levantar-se e o deixar-se ficar caído, dividido entre a ânsia
de querer mudar e a inércia da eterna sonolência. O cansaço da vida, a vontade
do nada e o esvaziar dos sentimentos fazem-no refugiar-se na música e na
escrita, mas sempre duvidando se vale a pena sequer escrever. Perdido na
solidão de um copo de vinho, buscando a anestesia do mundo, sente
frequentemente a morte como próxima e chega mesmo a desejar a sua companhia.
Por vezes uma voz de esperança
pede-lhe que não chore, que acredite no amanhã. Voz interior? Voz de um amigo?
Voz de um amor? Não consegui precisar. Talvez fosse a voz que ouvimos sempre
que chegamos ao fundo do poço e a única alternativa é subir.
A meio do diário surgem três
personagens: um poeta, Juan, um pintor, Santiago e uma bonita mulher, Isabelle.
Gostei da ideia, mas não foi trabalhada, o que me deixou insatisfeita. De facto,
o desenrolar de um romance paralelo tinha muito potencial. Mas foram apenas
breves páginas de encontros e desencontros numa ordem cronológica pouco
coerente entre as três enigmáticas figuras, que afinal não serviram para mais
do que apaziguar a solidão do autor ou, talvez, fossem partes dele mesmo.
O final do livro procura responder
à pergunta: será que pode surgir vida depois do caos? Bem, não vou responder,
pois o final como todo o livro é passível de ser interpretado de várias formas,
significados infinitos poderão ser encontrados e provavelmente faltou-me estado
de espírito para os procurar melhor, o que me poderá motivar a ler este diário
novamente.
Um livro que vale a pena ler,
pela estranheza que desperta, pela angústia que não poucas vezes salta das
páginas para nos lembrar que já sentimos algo semelhante, ainda que na maioria
das vezes em menor escala. Um livro que vale a pena ler por ser um relato de
uma doença de que agora se fala de tanto e de que tão pouco se sabe falar.
Bárbara Tomé, obrigado por compartilhar a leitura; parabéns pela interessante resenha. No dia 18 de julho, às 16h, estarei na Livraria Desassossego, em Lisboa, para apresentação do livro "Do Caos - a depressão em fragmentos". Um abraço.
ResponderEliminarOlá Pablo :)
EliminarObrigada, ainda bem que gostou da resenha, foi escrita com muita sinceridade após uma leitura angustiante mas interessante!
Infelizmente, a presença das Bloguinhas não será possível, mas desejamos-lhe muito sucesso e pode contar com a nossa divulgação da apresentação do seu livro!
Boas viagens,
Tomé