quarta-feira, 9 de julho de 2014

Opinião - "A escuridão procura a escuridão", Sónia Ferraz da Cunha

Sinopse:

“Ele sorriu (…), segurou-me o braço que pousava sobre o colchão e encurtando novamente a pequena distância que nos separava, e de forma decidida e deixando-me sem reação, segurou-me com firmeza o rosto com a outra mão e encostou os seus lábios aos meus num beijo onde o pouco discernimento que a hora avançada, e o algum álcool que já bebera, me permitiam possuir foi morrer, dissolvido no seu cheiro irresistível, nos seus movimentos seguros, intensos, firmes, na suavidade dos seus lábios e no seu sabor, um sabor que naquele momento me empurrou a um abismo de descontrolado desejo.”
 
“O tempo é implacável, imparável e a mais confiável das realidades, e mesmo que dele percamos o trilho ele seguirá sempre o seu caminho, indiferente à nossa falta de sensibilidade. E assim os dias passavam sem que eu tivesse a real perceção do seu impacto ou dos meus atos e dos seus possíveis danos, e através deles eu ia repetindo rituais de culpa, de mentira e principalmente de prazer, um prazer do qual eu não estava disposta a abrir mão sobre nenhum pretexto.”
 
“O seu toque era mais rude que o habitual, as suas mãos grandes e fortes seguravam com firmeza e os seus dedos longos e finos pressionavam-me a pele, por vezes exagerando na intensidade; também os seus movimentos dentro de mim foram mais enérgicos, como se um impetuoso fogo o estivesse a consumir. Esporadicamente sentia como me segurava o cabelo com uma das mãos, imprimindo alguma agressividade ao ato, enquanto a outra, no meio das minhas pernas, me provocava um descontrole indescritível, levando-me com a sua insistência e habilidade ao limite do prazer.”

 

Opinião:

Escrever uma opinião sobre esta obra causa em mim um misto de sentimentos, pelo que se torna muito difícil. Acabei de a ler há uns dias, e todos os dias pensava: “como é que hei-de escrever isto?”. Para agravar a situação, também fiquei muito indecisa na classificação a atribuir no goodreads, ainda hoje tenho dúvidas, e penso que continuarei a ter.
 
Bem, para começar, estou contente comigo própria, uma vez que tenho lido mais autores portugueses e estes não ficam nada aquém dos autores estrangeiros. É uma pena que a maioria destes livros não chegue a outros países.

“A Escuridão procura a Escuridão” é um livro muito peculiar, basta olhar para o seu título e para a sua sinopse. No entanto, aquilo que está à vista dos nossos olhos esconde toda a essência da obra. É de admirar a coragem da autora em escrever sobre um tema muito actual, mas também alvo de muitas críticas da sociedade em que vivemos. Penso que a melhor maneira de explicar aquilo que pretendo dizer sem contar a verdadeira história é deixar este excerto:

"A vida sempre será simples quando definida por imperativos morais, sociais, religiosos, ou quando é a sobrevivência da família o que os move; pode ser duro, mas ainda assim é fácil; sabem o que deve ser feito e fazem-no, uns mais, outros menos, e são admirados por isso, e são aceites socialmente ... Viver com tais determinações e condicionamentos é fácil, porque tens a sociedade do teu lado. A dificuldade está em quando te desvias dos padrões, em quando te libertas das convenções e dos condicionamentos, em quando a moral e o dever se tornam irrelevantes e apenas vives, não para parecer mas para ser. É aí que descobrimos que vivemos numa sociedade que aceita e incentiva a que vivemos na mentira pelo simples fato de que tal é mais fácil. Porque quando te aceitas como és e vives de acordo com as tuas vontades, com a tua moral, sendo honesto com os teus sentimentos e inclinação, tendo como único objetivo a busca da própria felicidade, do prazer, és condenado por arruinar e depravar a moral, mas se reprimires e viveres uma aparência de normalidade, ainda que para lá do olhar alheio vivas isso e muito mais, isso já é aceitável, isso já é louvável."

Apesar de achar que a sinopse não diz muito ao leitor sobre a história, a verdade é que acho que esse terá sido um dos possíveis objectivos da autora e que fez sentido. Será um livro em que cada leitor pegará com uma mente aberta, numa tentativa de descobrir o que cada página tem para lhe oferecer.

E sim, é de facto preciso uma mente aberta na leitura desta narrativa. Devo dizer que a meio, achei que ia odiar o livro, porque aquilo que estava a acontecer ou aquilo que se estava a defender não era algo com que eu estivesse a conseguir compactuar. No entanto, à medida que fui progredindo na leitura,  senti a necessidade de chegar ao fim e entender onde a autora queria chegar e, a verdade, é que quando acabei de ler fiquei com um sorriso nos lábios. Como referi no início, esta leitura conteve um misto de sentimentos, desde o mais profundo ódio até ao entendimento e à compreensão.

Como ponto negativo, achei que a autora se focou demasiado em descrever a relação da personagem principal com Narciso e, talvez por isso, tenha surgido parte do ódio de que falei. No entanto, compreendo porque se focou nesta relação.

Por outro lado, apesar de ser o primeiro livro da autora, penso que não é um facto que se note muito, e que o uso que esta dá às palavras é capaz de conquistar o leitor. Muitas questões e curiosidades se criaram em mim e, talvez, um dia, tenha a coragem de as colocar à escritora. Para além disso, também ficou aqui o gosto de ler outros possíveis livros da sua autoria.


 

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