quarta-feira, 13 de agosto de 2014

Opinião - "Half Bad - Entre o Bem e o Mal", Sally Green


Edição: 2014
Páginas: 320
ISBN: 9789722352192
Goodreads: mais informação aqui.

Sinopse

"Na Inglaterra dos nossos dias, bruxos e humanos vivem aparentemente integrados. Na realidade, os bruxos têm a sua própria sociedade secreta, as suas regras e a sua guerra, que divide os Bruxos Brancos, considerados «bons», e os Bruxos Negros, odiados e perseguidos pelos Brancos. O herói, Nathan, é filho de uma Bruxa Branca e de um Bruxo Negro e, portanto, considerado perigoso. Nathan é constantemente vigiado pelo Conselho dos Bruxos Brancos desde que nasceu e aos 16 anos é encarcerado e treinado para matar. Mas Nathan sabe que tem de fugir antes de completar 17 anos e a sua determinação é inabalável."


Half Bad é o romance de estreia de Sally Green e o primeiro volume de uma nova trilogia do género fantástico aguardado por todo o mundo com grande expectativa.



 Opinião

À data da escrita desta opinião, ainda me encontro em choque, embora não tanto como quando acabei de ler o último capítulo deste livro e me apercebi que na página seguinte, em vez da continuação da história, vinham os Agradecimentos.

Este livro foi-me dado a conhecer há já algum tempo, e se nessa altura tivesse lido a sinopse oficial, não sei se teria ficado tao interessada. O que me despertou verdadeiramente a curiosidade foi um pequeno trecho do livro, que transcrevo na esperança de também vos cativar (e porque é simplesmente delicioso).

"Depois de o Arran nascer a mãe e o pai não queriam ter mais filhos. Deram o berço, o carrinho de bebé e todas as coisas de bebé. Este bebé não é desejado e tem de dormir em cima de uma fronha, dentro de uma gaveta, vestido com um pijama velho e sujo que era do Arran. Ninguém compra brinquedos nem presentes para este bebé, porque toda a gente sabe que ele não é desejado. Ninguém oferece presentes nem flores nem chocolates à mãe, porque todos sabem que ela não queria este bebé. Ninguém quer um bebé como este. A mãe só recebe um cartão de felicitações, mas não diz «Parabéns». 
Silêncio. 
–  Queres saber o que é que o cartão diz? 
Abano a cabeça afirmativamente. 
–  Diz: «Matao.»"

Nathan, o protagonista da obra, apresenta-se como prisioneiro disciplinado, à parte dos múltiplos planos para escapar à sua carcereira, que repetidamente falham, muito pela mestria e impiedade daquela. Nada mais sabemos sobre ela, ao início, e em boa verdade também navegamos no escuro em relação ao jovem, até que este se propõe a contar-nos a sua história.

Voltamos atrás no tempo com Nathan, que conta episódios da sua infância até chegar à situação em que se encontra.

O estilo de escrita é bastante bom, e a distribuição dos capítulos e subcapítulos é muito inteligente. Há uma alternância entre primeira e segunda pessoa, consoante Nathan salta entre presente e passado; no entanto, achei estas transições muito naturais, e em nada dificultaram a compreensão da narrativa. Quase nem damos por elas. No meio da narrativa, por vezes emocionalmente pesada, a autora consegue instilar humor, principalmente na forma de ironia e sarcasmo, o que me agrada bastante.

Quanto à história em si, achei absolutamente fantástica (só batida pelas próprias personagens). Pode, inicialmente, parecer a típica história dos bons contra os maus, da criança oprimida devido às suas origens que se revolta contra o sistema. E Nathan revolta-se – mas porque uma vida de abusos o leva a isso. Por outro lado, o ser considerado diferente e, como tal, inferior, pela maior parte da sociedade, não o torna no típico anti-herói que é incapaz de sentir empatia e busca apenas vingança.

O nosso protagonista demonstra-se por vezes impulsivo e até violento, com um inquestionável apego ao seu lado negro, que move muito do que faz; ainda assim, o seu sentido de moralidade nunca o abandona, e à medida que vemos Nathan crescer compreendemos que as circunstâncias horríveis com que teve de lidar moldaram a sua personalidade no sentido da justiça, e não do rancor e crueldade.

Dentro da família mais próxima de Nathan encontramos algumas das outras melhores personagens. A sua avozinha (que raramente é referida com outro nome que não o ternurento diminutivo) marcou-me pela sua incrível força e determinação, mesmo após ter perdido a filha e ser obrigada a criar quatro crianças, uma das quais vista pelos outros como uma praga. Mas a avozinha sempre amou os seus netos, nunca deixando que o Conselho dos Bruxos Brancos ditasse cegamente a vida de Nathan, apesar de sentir medo deles.

A irmã mais velha de Nathan, Jessica, mostra-se uma criatura do mais cruel que podemos imaginar, atormentando Nathan quando este é apenas uma criança. No entanto, se enquadrarmos Jessica no meio em que vive (e poderia dizer o mesmo acerca de muitas personagens), percebemos que a sua maldade aparentemente inata é um produto da intolerância e preconceito que caracterizam a maior parte dos Bruxos Brancos. Mas não há dúvida que Jessica ocupa um lugar especial no coração de Nathan – o reservado para os ódios de morte. Espero que Jessica continue a ser desenvolvida no próximo volume da série.

Como antítese desta irmã maléfica, temos Arran, apenas dois anos mais velho que Nathan. O amor fraternal que os une é simplesmente comovente. Arran não é uma personagem que nos entusiasme, pelo menos para mim, mas é impossível de ignorá-lo quando protege Nathan da injustiça que o rodeia e lhe serve de bússola moral.

Tentando não revelar demasiado, tenho de mencionar também Annalise, o amor proibido de Nathan. Devo confessar que a bela rapariga não me arrebatou como o fez àquele; Annalise é demasiado passiva, pelo menos até ao momento em que nos encontramos na narrativa. Espero ver desenvolvimentos na continuação da saga.

Poderia ainda falar de Ellen e Gabriel, personagens aparentemente secundárias mas que ganham uma enorme importância (especialmente o último) para o protagonista. Tanto um como o outro sofrem de algum tipo de discriminação, e acabam por criar uma ligação com Nathan. Finalmente, não posso deixar de mencionar Celia, a tutora de Nathan, a implacável carcereira, que se revelou uma das surpresas da história, ao provar que praticar actos maus é diferente de ser uma má pessoa.

Em relação ao mundo fantástico em que decorre a história, gostei da forma como foi naturalmente sendo revelado, sem haver necessidade de grandes explicações formais. Parece-me muito bem pensado e deveras interessante. A Cerimónia da Dádiva é um momento particularmente belo, mesmo que algo macabro.

Senti, ao ler o livro, uma grande empatia para com Nathan, mesmo nos seus piores momentos. O preconceito é um sentimento muito forte, que leva humanos (neste caso, Bruxos) a odiar outros humanos simplesmente pelo facto de existirem e serem diferentes, quando é esta diferença que nos caracteriza enquanto espécie. Através do extremo deste preconceito, a autora mostra-nos a tolerância, e de como é vital para nós. Se um grupo inteiro paga pelos pecados de alguns, então perdemos a compaixão e justiça que acompanham a nossa racionalidade, e passamos a ser um pouco menos humanos – tornamo-nos exactamente naquilo que nos causa repulsa. 



4 comentários :

  1. Respostas
    1. Olá Patrícia!

      É mesmo, é neste momento um dos meus livros fantásticos favoritos! Aconselho :)

      Boas viagens,
      Bárbara

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  2. Ois,

    Um livro que me passava completamente ao lado, fica registada a recomendação, tem tudo o que gosto nos livros ;)

    Parabens pelo excelente comentário :)

    Bjs e boas viagens

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    Respostas
    1. Olá Fiacha!

      Obrigada! Ao início estava com alguma dificuldade em escrever, porque gostei tanto do livro que não sabia como o transmitir! É mesmo uma pérola escondida, que também encontrei por acaso.

      Fico contente por teres gostado da sugestão ;)

      Boas viagens,
      Bárbara

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