terça-feira, 9 de setembro de 2014

Opinião - "Delirium", Lauren Oliver

Edição: 2014
Páginas: 416
ISBN: 9789896722685
Goodreads: mais informação aqui.

Sinopse


"Se o Amor fosse uma doença, aceitarias a cura?

Houve um tempo em que o amor era a coisa mais importante do mundo. As pessoas eram capazes de ir até ao fim do mundo para o encontrar. Faziam tudo por amor. Até matar. Finalmente, no século XXII, os cientistas descobrem a cura para o delírio do amor, uma perigosa pandemia que infecta milhões de pessoas todos os anos. E o governo passa a exigir que todos os cidadãos recebam o tratamento ao cumprirem 18 anos. Quando faltam apenas noventa e cinco dias para a tão aguardada cirurgia, Lena faz o impensável e sucumbe a uma irreprimível e incontrolável paixão…"



Opinião


No futuro, não há amor. A amor deliria nervosa, condição que afecta a humanidade desde o início dos tempos, deixou de ser incurável, livrando o Homem do fardo pesado da sua própria natureza bélica e inconsequente. 

Religião e ciência confundem-se, na população abunda a fé tanto na tabela periódica como na promessa de felicidade e paz que o tratamento dos deliria traz a quem o recebe; a situação dos não curados é indesejada, vista com desconfiança e até perigosa. Qualquer manifestação de afecto é vista com maus olhos – qualquer suspeito de ter contraído a doença, ou mesmo de apenas não ajudar os doentes a receber a cura, será rapidamente tratado, ou punido. Romeu e Julieta é uma história quase de terror. 

É neste mundo que nasce e cresce Lena, uma adolescente que conhecemos no último verão antes do seu décimo oitavo aniversário e do dia do seu tratamento. A família de Lena é vista como impura, de má índole – perdeu a sua mãe e uma prima para a doença. O sangue maculado que lhe corre nas veias sempre lhe trouxe olhares de desconfiança e comentários reprovadores. Mas Lena tem perfeita noção do que a doença pode fazer às pessoas, e está certa de que não seguirá o mesmo caminho que a sua mãe. Anseia pelo dia do seu tratamento, o dia em que renascerá curada e poderá ser feliz, poderá não mais carregar a nostalgia de uma infância em que dançava e ria com a sua mãe, às escondidas do resto do mundo. 

No entanto, algo acontece. Alguém repara em alguém, e trocam-se sorrisos. Talvez não ao início, e talvez comecem por ser reticentes. Mas sorriem. E por razões desconhecidas à própria razão, simples sorrisos despoletam fenómenos físicos e mentais que se tornam impossíveis de ignorar, tanto como o sorriso do outro se torna impossível de esquecer e de desejar. 

Lena é uma jovem sensata, bem comportada, a quem a vida deu uma mão de cartas difícil de ser jogada, mas com que tenta fazer o melhor possível. Até àquele Verão, e desde a morte da sua mãe, que a sua vida tem decorrido sem incidentes de maior, e Lena conta os dias em que poderá ser livre da ameaça da doença. Claro que, neste ponto, o leitor ofega, tendo-se apercebido da paz podre do mundo de Lena e de como o seu conceito de liberdade é limitado pelo que aqueles no poder lhe dão a conhecer. Mas a sua perspectiva é muito consistente com o status quo – Lena não é uma guerreira nata, não é mais do que o pretendido de si. Gostei da evolução da sua maneira de pensar, à medida que ia contactando com novas realidades. 

A grande amizade que mantém com Hana, que se prolonga desde a primária, é um grande motor da história. Hana é em muitos aspectos o contrário de Lena – rica, popular, alta e explicitamente bela – mas acabam por ser tanto o pilar como rastilho uma da outra. Gostei muito da personagem, não a achei previsível, como poderia ter sido pela sua descrição inicial. 

No futuro, não há amor. Mas Lena descobre que talvez as coisas não sejam tão lineares como sempre achou que fossem. E muito disso se deve a Alex, um jovem com quem partilha encontros fortuitos. Delirium é tanto uma história de amor como uma história sobre o amor, mas não de uma maneira infantilizada ou fantasiada. Fala de um amor condicionado pela revolta face à sua própria interdição, que acaba por ser vivido mais intensamente. 

Já gostava da premissa ad initium, e achei a distopia muito bem pensada e caracterizada. O setting é semelhante ao mundo como o conhecemos, o que torna a narrativa assustadoramente plausível. As descrições vívidas permitiram-me desde o início ver Portland, e quem o habita, pelos olhos de Lena. 

O estilo de escrita é rápido, com paragens súbitas que servem ao suspense da narrativa, quase como um batimento cardíaco que é saltado, para a seguir o sentirmos com maior intensidade. 

Naturalmente, fui-me apegando a Lena, Hana e Alex, bem como a algumas outras personagens, curadas e não curadas. A emoção transborda do início ao fim da história – desde o nó na garganta de antecipação que senti antes de Lena entrar na sua avaliação, até ao inesperado final que me apertou com força o coração e me trouxe lágrimas aos olhos. Sei que já há continuação da saga, mas não editada em Portugal, o que em si também me deixa ansiosa! 

Nesta obra, o espírito de rebelião contagia-nos, revoltamo-nos contra o regime que proíbe o amor e restringe a liberdade – e somos levados a reflectir sobre a nossa condição como seres de afectos e sentimentos, sobre como o ódio ou a tristeza nos podem consumir tanto quanto o amor e a felicidade nos podem encher o coração; de como o amor pode assumir a forma de uma paixão intensa, de uma ternura infindável, do sacrifício pelo outro – ou de todas estas formas, ou de nenhuma delas. A narrativa bela e intensa de Delirium evoca em nós aquilo que representa. Porque, como é sussurrado por Hana à revelia do resto do mundo,


“Só somos verdadeiramente felizes quando às vezes estivermos tristes...” 


Sentir é humano, do mais humano que há - são os sentimentos que transformam uma vida cinzenta no arco-íris que pode ser.



P.S.1: Quando acabei de ler pensei que, indubitavelmente, Delirium ia ser descoberto, como foram tantos outros livros do género ultimamente, e passado a filme. Qual não é a minha surpresa quando a Sofia me informa de que foi feito um episódio piloto para televisão, mas a série não foi continuada! Julgo que resultará melhor em filme, e vou ficar atenta a possíveis novidades.

P.S.2: Logo após ter terminado a leitura, fui de férias, dando por mim nesta praia... Não, depois das bóias não é território das Terras Selvagens... mas deixar a imaginação voar para além delas sempre me soube bem :)


4 comentários :

  1. Olá, Bárbara!
    O tema deste livro interessa-me imenso, parece ser daqueles livros que nos obrigam a refletir profundamente e a colocar questões que nunca colocaríamos antes. Tenho imensa vontade de ler esse livro devido a tudo o que ele parece representar. É realmente assustador pensar num mundo sem amor.
    Beijinhos e Boas leituras!
    *Mistery

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    1. Olá Misery!

      Também fiquei logo curiosa ao ler sobre o que era, e surpreendeu-me na abordagem. Aconselho vivamente o livro! Espero que gostes se vieres a ler :)

      Beijinhos e boas viagens!
      Bárbara

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  2. Olá,
    Ainda não li este livro mas está na minha lista de futuras leituras.
    Como eu sou bastante romântica estou curiosa em conhecer um mundo onde o amor é considerado uma doença. Estou bastante curiosa para conhecer as personagens.
    Parece ser um livro bastante interessante.
    Beijos

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    1. Olá Tânia!

      Acho este um livro fantástico para quem gosta de romance, a história de amor é mesmo bonita :) Espero que gostes quando vieres a lê-lo!

      Boas viagens românticas,
      Bárbara

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