sábado, 13 de setembro de 2014

Opinião - "O Baloiço Vazio", Carla Lima

Sinopse

"Eu deitada na cama, de barriga para cima, com os olhos fechados e os braços cruzados sobre o peito,
- O que estás a fazer?
- Estou a fingir que estou morta
- Porquê?
- Porque me apetece. Importas-te?
- Mas porquê?
- Porque antes estar morta do que viver assim
- Assim como?
- Numa prisão
- Numa prisão?
- Estou presa a ti
- Estamos presos um ao outro
- Nem a fingir de morta me deixas em paz"



Opinião

Li o Baloiço Vazio de Carla Lima em poucas horas, porque não consegui abandonar Ana ao seu sofrimento e retomar a minha própria vida. Entre avanços e retrocessos, memórias, sonhos e delírios, Ana dá-se a conhecer como uma mulher perturbada, impulsiva, com um possível distúrbio de personalidade borderline, obcecada por Bruno e dependente da relação amorosa que os une. 

Ao conhecer Bruno desejei que ele fosse mais compreensivo, menos idiota, menos irresponsável, menos bruto. Na verdade, desejei que ele não fosse ele. Desejei que alguém amasse Ana ao ponto de aceitá-la em todas as suas fraquezas, em todas as suas loucuras, porque apesar de doentio o seu amor é inquestionavelmente verdadeiro. 

Perante um presente em que Bruno a rejeita, maltrata e despreza, Ana refugia-se nas lembranças do tempo em que se conheceram: o encantamento do primeiro sorriso, a doçura das primeiras palavras, o enigmático olhar ocultando misteriosos segredos, o encaixe perfeito de dois corpos. Todavia, não vemos as pessoas como elas são, mas como nós somos, e rapidamente a paixão, que nos ludibriava a visão, que nos toldava o raciocínio, baixa a guarda e conseguimos vislumbrar o monstro que escolhemos amar. Ana escolheu Bruno, e voltou a escolhê-lo mesmo depois das ofensas, da violência e do silêncio. Nunca amamos ninguém. Amamos tão somente a ideia que fazemos de alguém. é a premissa que inicia um dos capítulos e que, a meu ver, resume muito bem a relação de Ana e Bruno. 

Com A morte sempre presente no seu pensamento, mergulhada num relacionamento altamente destruidor, Ana tenta várias vezes o suicídio. Senti uma enorme compaixão por este ser tão fragilizado e só me apetecia dizer-lhe que procurasse outro psiquiatra, e fiquei irritada com todos que contribuíram para exacerbar o seu complexo de inferioridade, com todos os que lhe disseram que era demasiado burra, demasiado gorda, demasiado insuficiente para os seus sonhos. 

Em alguns momentos deixei-me sentar na cadeira de Bruno e percebi que também não era um lugar confortável. Subita e inesperadamente, com o avançar da narrativa, nasceram em mim sentimentos contraditórios, já não odiava Bruno, já conseguia justificar, não perdoar, mas justificar, em parte, o seu comportamento. E neste aspecto tenho de dar os parabéns à autora que em pouco mais de oitenta páginas conseguiu que tomássemos o partido da protagonista e repudiássemos Bruno para de repente nos deixar assolados por uma enorme culpa, porque não nos podíamos ter esquecido que na vida há sempre algo nos escapa, que não trazemos a verdade guardada num bolso, e nunca conhecemos o outro como a nós mesmos. 

Assim, quando acabei o livro fiquei com vontade de o reler porque estive sempre do lado da Ana e preciso de voltar ao Baloiço Vazio e repensar o que posso perdoar ou não ao Bruno, preciso de ver tudo pela sua perspectiva depois de saber o caminho que ele percorreu até ser o homem que entrou na vida de Ana. 

Para dizer o que menos me agradou teria de fazer um spoiler, para quem já leu digo apenas que há algo que o Bruno diz a Ana quando se conhecem que é essencial ao resto da narrativa, porém quando cheguei ao fim da leitura questionei-me até que ponto alguém seria tão mórbido a fim de dizer algo tão estranho. Acabei por ignorar este pormenor por me convencer que todos neste livro são loucos e com todo o direito a sê-lo. 

O final da história foi, para mim, delicioso por ser totalmente inesperado e macabro, o que me fez olhar para este livro como um conto de terror dos tempos modernos, um mito urbano a ser lido no escuro, com uma lanterna iluminando sombriamente o rosto e com o chiar de um baloiço vazio como ruído de fundo. 

Deixar-me envolver pelas personagens deste livro trouxe consigo algumas questões, tal que quando o pousei fiquei a embalar-me no baloiço das dúvidas: Até onde conhecemos as pessoas que amamos? De que serão elas capazes? Qual a primeira coisa que lhes invade o pensamento quando acordam pela manhã? E em que pensam antes de adormecer? Quantas vezes não nos terão mentido? Quantas vezes não nos terão usado? Quantas vezes não nos terão amado de uma outra maneira e nunca nos deixaram saber? Quantas vezes não nos terão odiado por aquilo que somos ou por aquilo que elas não são? Quantas vezes nos terão defendido, não porque fossemos inocentes, mas porque sentiram que era o seu dever fazê-lo? E se descobrissemos algo terrível a seu respeito? Amá-las-íamos de igual forma?


"Tenho uma teoria sobre amores-perfeitos. Quando se encontram nunca ficam juntos pois a felicidade é tanta que não aguenta menos felicidade. E separam-se." 


 
Obrigada à autora Carla Lima e ao Blogue Viajar Pela Leitura por esta leitura tão agradável e por terem trazido até à minha estante o meu primeiro livro autografado. 

2 comentários :

  1. Olá,

    Sabe tão bem termos livros autografados pelos proprios escritores, felizmente já tenho alguns e sabe sempre bem :D

    Quanto ao livro é algo que nos deixa a pensar como será determinados momentos que passamos pela vida, já percebi que vale bem a pena ler :)

    bjs

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    1. Olá Fiacha!

      Livros autografados despertam um carinho especial, aquele minuto que o autor despendeu ao autografá-lo torna o livro único :)

      Vale muito a pena ler, eu gostei bastante! Aliás, foi uma agradável surpresa, não conhecia o livro, não fazia ideia sobre o que falava , e apesar de ser pequeno é bastante forte e proporcionou uma leitura muito sui generis :) Recomendo!

      Boas Viagens,
      Tomé

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