sábado, 8 de novembro de 2014

Posso Perguntar? Posso? - com Carla Lima

Os mais atentos já devem ter visto o nome Carla Lima aqui pelo blogue aquando da publicação da opinião da Tomé sobre o seu primeiro livro - O Baloiço Vazio, a qual podem ler (ou reler) aqui. Uma vez que a Bloguinha Tomé gostou tanto da obra ficamos muito contentes com a disponibilidade da Carla para responder às nossas peguntinhas :)


Entrevista: 

Quando é que começou a escrever? 

Comecei a escrever muito nova. Na escola primária adorava fazer as composições de português e sei que a minha professora ficou com alguns textos meus para usar em manuais infantis. Mas perdi o contacto com ela e nem sei se ela alguma vez os usou. Depois comecei a escrever um diário onde ficcionava a minha vida. Na adolescência, devido aos desgostos de amor, comecei a escrever poemas e participei numa antologia de poesia e contos. Quando fui para a Universidade como estudei escrita para Audiovisuais comecei a escrever por motivos profissionais. Escrevi para rádio, cinema, televisão, internet, etc. A escrita literária mais a sério veio com o Curso de Introdução à Criação Literária com a escritora Rita Ferro, de onde nasceu o livro “O baloiço vazio”.

Qual é o primeiro livro que se recorda de ler?

Comecei a ler muito nova. Não me recordo exactamente do primeiro livro. Mas sei que dos primeiros livros que li foi a colecção toda de “Os Cinco” da Enid Blyton.

Qual é o próximo livro na sua lista de leitura?

Costumo ter sempre quatro ou cinco livros na minha mesinha de cabeceira. Mas o que está agora na lista de espera é “Morder-te o coração” da Patrícia Reis.

Quais são os seus livros preferidos? E autores?

Tantos! Os meus livros preferidos são livros que me marcaram em determinada fase da minha vida e são livros que releio ou que sinto necessidade de voltar a eles. E são muito diferentes uns dos outros. Aqui vai: “A História Interminável”, de Michael Ende; “Crimes Exemplares”, de Max Aub; “Romeu e Julieta”, de Shakespeare; “A insustentável leveza do ser”, de Milan Kundera; “Nos teus braços morreríamos”, de Pedro Paixão; “Azul Turquesa”, de Jacinto Lucas Pires; “Sonetos”, de Florbela Espanca e “O retracto de Dorian Gray”, de Oscar Wilde. A lista pode ser um bocadinho ecléctica mas eu gosto de ler um bocadinho de tudo e faltam aqui livros, mas estes são aqueles que mais me inspiraram ou cativaram de uma maneira ou de outra. Em relação a autores, o meu autor preferido é o Pedro Paixão. Tenho todos os seus livros e adoro a sua escrita. Também adoro Florbela Espanca, Fernando Pessoa, Milan Kundera, Julian Barnes e Haruki Murakami.

Qual a melhor companhia para um livro? Um café, a praia, o quentinho do sofá?

A melhor companhia para um livro é a cama. (risos) Para mim a melhor altura do dia para ler é à noite antes de ir dormir. Só a luz do candeeiro da mesinha de cabeceira e o quentinho dos cobertores são o melhor para apreciar um bom livro. Ler até adormecer é do melhor.

Que autores influenciaram a sua escrita?

Acho que o Pedro Paixão é a minha maior influência mas gosto de pensar que tenho uma voz própria ou que estou a tentar criar uma. Outras influências são autores que gosto de ler e que abordam temas que eu também abordo tais como o Julian Barnes, o Raymond Carver, a Florbela Espanca. Quando era mais nova li a saga toda do Adrian Mole escrita pela Sue Townsend e acho que esse humor sarcástico também influenciou a minha escrita.

O que a inspirou ao escrever O Baloiço Vazio?

“O baloiço vazio” nasceu no Curso de Introdução à Criação Literária com a escritora Rita Ferro. Inscrevi-me no curso porque estava farta do meu trabalho das 9h às 18h e precisava de algo criativo para extravasar, porque nessa altura o meu trabalho não tinha nada a ver com escrita. Na primeira aula a Rita disse que o objectivo do curso era escrever um livro em três meses. Eu pensei que ela estava louca. O curso era uma vez por semana e tínhamos de levar cinco páginas por aula no mínimo. Na aula seguinte não levei nada. Todos os meus colegas levaram. A Rita zangou-se comigo e disse que se não estava ali para escrever, mais valia desistir do curso. Eu disse-lhe que não tinha nada para contar e que pensava que ela ia ensinar como se escrevia um livro. Ela respondeu que não se ensina a escrever um livro e que toda a gente tem algo para contar. E que como castigo na aula seguinte eu teria de levar dez páginas ou desistia do curso. Fui para casa. Não conseguia dormir. Levantei-me da cama, abri o portátil, meti o cd da banda sonora do filme “O fabuloso destino de Amélie Poulain” em loop, a minha gatinha persa branca Nelly aninhou-se no meu colo e comecei a chorar. Escrevi a primeira frase. E nunca mais consegui parar. Todos os dias quando chegava do trabalho abria o portátil, a Nelly aninhava-se no meu colo, metia o cd em loop e começava a chorar e a escrever. O livro foi todo escrito assim. Semanalmente levava as páginas escritas para a aula que eram lidas em voz alta e comentadas pela Rita Ferro e pelos colegas.

O livro não foi pensado. Os capítulos e as personagens foram nascendo à medida que fui escrevendo. Não tive propriamente inspiração. O livro foi algo que teve que nascer. Nunca na vida pensei em conseguir escrever um livro até ao fim porque ao contrário do que muitas pessoas pensam escrever um livro é muito difícil. É um processo doloroso. Mas no final compensa.

Gostava de ver O Baloiço Vazio adaptada ao cinema/televisão?

Adorava ver “O baloiço vazio” adaptado ao cinema. Aliás, várias pessoas que leram o livro acharam que dava um bom filme. Devido à quantidade de diálogos e a algumas descrições que se assemelham a cenas cinematográficas. Quem sabe no futuro…

As suas personagens são baseadas em alguém que conheça?

Como primeiro livro senti a necessidade de ir buscar alguns tiques ou frases de algumas personagens a algumas pessoas que conheço ou conheci mas tentei ficcionar ao máximo. Quando lancei o livro as primeiras pessoas que leram pensavam que era um livro autobiográfico e que a personagem feminina principal era baseada em mim mas não é. Alguns acontecimentos ou situações podem ser coincidências mas é tudo ficcionado. Acho que é normal um bocadinho de nós estar no livro senão não é autêntico.

Já alguma vez se deparou com alguém a ler O Baloiço Vazio por exemplo num transporte público ou outro local? Como se sentiu?

Nunca me deparei com ninguém a ler “O baloiço vazio”. Mas o livro foi lançado há relativamente pouco tempo. O máximo que me aconteceu foi ver uma fotografia do meu livro num facebook de uma pessoa que não conhecia. E foi uma sensação incrível.

Quando escreve vai mostrando a alguém ou só no final pede opinião? E quem é a primeira pessoa a quem mostra o seu trabalho?

“O baloiço vazio” foi sendo mostrado à Rita Ferro e aos colegas do curso. Mas isso foi em Lisboa. Terminei o livro nos Açores. Antes de enviá-lo para as editoras mostrei-o ao meu pai que é sempre a primeira pessoa a ler tudo o que escrevo. Quer seja um poema, uma crónica para a rádio, o guião para uma curta-metragem. O meu pai é sempre a primeira pessoa a quem mostro o meu trabalho. Neste momento estou a tentar escrever o segundo livro e já tenho quase trinta páginas e ele é o único a quem vou mostrando o que vou escrevendo. Porque mesmo sendo o meu fã número um, o meu pai consegue ser crítico e quando não gosta ou tem alguma dúvida diz. E isso é muito importante para corrigir e evoluir.

Considera que se aposta nos autores portugueses ou que as editoras tem deixado escapar ou não dão a devida atenção e visibilidade a bons livros escritos por pessoas menos conhecidas?

A minha opinião sobre este tema é um bocadinho polémica. Porque o mercado está dominado pelas grandes editoras e quem consegue entrar nessas editoras é quem tem “padrinhos” ou quem ganha prémios. Acho que não há uma atenção muito grande há qualidade. Importante é se vende ou não. O produto pode ser péssimo mas se o marketing é muito bom quase toda a gente compra. Acho que só não vê quem não quer. Há livros e autores péssimos que vendem imenso só por terem uma boa máquina de marketing atrás deles e “o povo marcha tudo”. E depois há quem não tenha padrinhos ou cunhas ou não ganhe concursos literários, que para mim estão todos viciados, e que tenha de lutar para ter um lugarzinho ao sol. Mas nisto tudo o que é que é mais importante? Vender quem escreve ou o livro? Para mim continua a ser mais importante o livro. Por isso podem continuar a tentar vender-me “escritores” que eu vou sempre preferir as “palavras”. As boas palavras.

O que diria a alguém que se estiver a iniciar como autor?

A primeira coisa que diria é que tenha muito cuidado com a editora que escolhe. As editoras são umas cobras. Claro que não são todas mas eu infelizmente tive azar e falo por experiência própria. Nós somos os autores e temos de ser respeitados e não explorados e ignorados. Se não houvesse autores, não haveriam livros para as editoras venderem. E não é tratarem uns com paninhos quentes e outros como se fossem uns zés-ninguém. Há que tratar todos os autores com o mesmo valor e o mesmo respeito.

A segunda coisa é pensem bem antes de decidirem serem autores. É um mundo muito complicado. Há muito gente invejosa e mazinha porque toda a gente acha que escrever é muito fácil e toda a gente acha que sabe escrever. E falar mal é muito fácil. Se forem pessoas sensíveis como eu têm de ter muita força de vontade e muito estômago.

A terceira é se acham que têm talento acreditem sempre em vocês e não desistam. Escrevam, leiam, insistam. E ouçam as palavras de incentivo e os elogios que vos façam.

Quais são os seus projectos para o futuro?

Neste momento a minha prioridade é acabar o meu segundo livro e mudar de editora. O meu sonho era abrir a minha própria editora e descobrir novos talentos e tratá-los com a dignidade que os autores merecem. Mas aqui nos Açores, sendo um meio pequeno, é difícil. Mas ainda não se paga imposto para sonhar e “o sonho comanda a vida”.


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