quarta-feira, 8 de abril de 2015

O Nosso Obrigada à Carla Lima


E foi com a Carla Lima que passamos o nosso mês de Novembro!

Para os mais distraídos, deixamos aqui a marca que a Carla Lima deixou no Bloguinhas Paradise!
 
 
E estando nós de parabéns, a Carla Lima deixou uma prendinha para nós e para os nossos leitores. Um texto que pode ou não fazer parte do próximo livro ;)


A VELHA E O VELHO

"O verdadeiro mal da velhice não é o enfraquecimento do corpo, é a indiferença da alma."

André Maurois

1.

Chovia. A velha segurava uma chávena de chá. Chá verde. A velha olhava pela janela da cozinha. Observava as vacas deitadas nos pastos pintados de verde. O branco e preto das vacas a dissolverem-se na relva. A velha chorava. Chorava pelas vacas molhadas pela chuva. E a chuva insistia. Pingos grossos de água a caírem do céu e dos olhos da velha. Pingos na relva. Verde. Pingos no chá. Verde.
O velho entrou na cozinha. Olhou para a velha. O velho suspirou.
- O que é que se passa agora?
- São as vacas.
- As vacas?
Parou de chover. A velha limpou as lágrimas dos olhos. Já não caíam pingos de água. Nem do céu, nem dos olhos da velha. Nem nas vacas. Nem na relva, nem no chá. Verde.
A velha olhou para o velho. A velha suspirou.
- Queres chá?
- E as vacas?
- As vacas?
Já não chovia. A velha bebeu um gole da chávena de chá. Chá verde. A velha olhou pela janela da cozinha. Observou as vacas deitadas nos pastos pintados de verde. O branco e preto das vacas a dissolver-se na relva. A velha sorriu.

2.

A culpa foi do relógio. Foi por causa de um relógio que tudo começou. Não o casamento. O amor. Se foi à primeira vista ou não nenhum o dirá, nem a velha, nem o velho. Amor à primeira vista. Não casamento à primeira vista. Mas que foi o relógio ambos dirão que sim. Ou talvez não. O velho é distraído. Nem se deve ter apercebido que tudo começou por causa do relógio.
A velha nova não procurava amor. Aliás, odiava amor ou qualquer coisa que se parecesse com tal.
Mas um dia a velha nova foi a um baile e uma empregada da mãe disse-lhe:
- Quando fores logo ao baile usa os teus sapatos vermelhos.
E assim fez a velha nova. Usou os seus sapatos vermelhos. E o velho usou o relógio do avô. Mas a velha nova ainda não sabia.
No baile a velha nova viu o velho novo ao longe e confundiu-o com outro rapaz. Acenou. O velho ficou maravilhado e não conseguiu tirar os olhos da velha nova durante o baile inteiro. A velha nova envergonhada pela confusão passou o baile a fugir daquele rapaz que a perseguia. Até que o velho novo chegou ao pé da velha nova e atirou-lhe literalmente com um copo de vinho tinto para cima. A velha nova ficou em estado de choque e só conseguiu olhar para o relógio do velho novo. O velho novo ficou radiante por finalmente ter chamado a atenção da velha nova. A velha nova ainda em estado de choque só conseguiu dizer:
- Tens um relógio igual ao do meu avô!
E o velho novo respondeu:
- Queres um copo de vinho tinto?
A velha nova riu-se e a partir daí nunca mais se largaram. Mas se foi amor à primeira vista nenhum dos dois sabe dizer. A velha diz que a culpa é do relógio. O velho diz que a culpa é da velha por se ter rido. E nenhum dos dois culpa os sapatos vermelhos.

3.

O velho na cozinha a fazer ovos estrelados. A velha sentada à mesa. O velho:
- Às vezes, não percebo os ovos.
O velho a olhar a frigideira fixamente.
A velha:
- Os ovos são muito complicados. Até hoje ainda não se sabe quem nasceu primeiro. Se o ovo, se a galinha.
A velha riu-se.
O velho desviou os olhos da frigideira de encontro à velha.
- O quê?
A velha suspirou.
O telefone tocou. O velho:
- Continuo sem perceber os ovos. Fazem o que querem.
O velho desligou o lume e deixou os ovos em paz na frigideira. Andou com andar de velho até ao telefone e levantou o auscultador do telefone:
- Sim?
Do lado de lá alguém falou com voz feminina. O velho respondeu:
- Mais um?
O velho balbuciou algumas palavras que a velha não conseguiu ouvir. O velho desligou o telefone. Suspirou. O velho andou com andar de velho até à cozinha. Olhou para a frigideira. Uma gema rebentada. O velho:
- Não percebo. Os ovos fazem mesmo o que querem.
A velha suspirou. Depois perguntou:
- Quem era?
- A tua neta.
- Matou mais um?
- Sim.
- Será que ela usou os sapatos vermelhos como lhe disse?
- O quê?
A velha suspirou.


FIM

Mais uma vez, o nosso muito obrigada à Carla Lima. Desejamos-lhe as maiores felicidades e sucesso!

2 comentários :

  1. Gostei. A história agarra-nos do princípio ao fim. Quando um velho olha seja o que for, faz sempre comparação, é da idade e dos passos dados. Se nós vemos a chuva, abrigamo-nos. Eles preocupam-se com o que a chuva molha.
    Parabéns Carla. Quem conta uma história, conta um cento "delas". Estou curioso por ler mais outra. Espero pelo "O Balouço Vazio".
    RoberTo LiMa MedeirOs

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Olá RoberTo :)

      A Carla Lima têm de facto uma peculiar forma de contar histórias, muito própria e a caminho do inigualável :) Também nós por cá aguardamos ansiosamente um novo livro :)

      Boas viagens,
      Tomé

      Eliminar