segunda-feira, 6 de abril de 2015

O Nosso Obrigada à Carla M. Soares


Sobre o autor:

"Carla M. Soares nasceu em 1971. Formou-se em Linguas e Literaturas Modernas pela Faculdade de Letras de Lisboa, e tornou-se professora. Tem um Mestrado em Estudos Americanos, em Literatura Gótica e Film Studies. É doutoranda no Instituto de História da Arte, na Faculdade onde se formou. É, antes de mais, filha, mãe, mulher, amiga. Leitora e escritora compulsiva. Sempre."




E foi com a Carla Soares que passamos o nosso mês de Junho!

Para os mais distraídos, deixamos aqui a marca que a Carla Soares deixou no Bloguinhas Paradise!
E estando nós de parabéns, a Carla Soares deixou uma prendinha para nós e para os nossos leitores.

Para quem não sabe, dia 2 de Abril comemorou-se o Dia Internacional do Livro Infantil. Como tal, mesmo a calhar, temos o prazer de divulgar um belo conto de fadas que a Carla escreveu para a sua menina quando era pequenina! Também os desenhos são da autoria da Carla! :)


"A Princesa na Árvore", Carla M. Soares



Era uma vez uma menina bonita, que por acaso nasceu princesa de um reino muito grande. Todos gostavam muito dela, o rei e a rainha, a ama, o cozinheiro, as meninas da aldeia com quem não brincava porque estavam sujas, e até o pastor que nunca a tinha visto. Todos gostavam tanto dela, que tinham numa parede uma imagem da princesa sem dentes da frente, que o rei mandara fazer e distribuir e pendurar, para fazer todos muito felizes logo pela manhã.

A verdade, porém, era que princesa bonita, que lá bonita era ela, passava o dia a fazer tropelias e disparates que deixavam toda a gente com os cabelos em pé. Toda a gente gostava de ter os cabelos em pé, claro, nem outra coisa lhes ocorreria, porque do que não gostavam era que andasse infeliz. Quando andava infeliz, que era sempre que alguém se aborrecia com ela, a princesa gostava de esconder coisas importantes, como os sapatos no Inverno e os chapéus no Verão, para obrigar as pessoas a andarem descalças pelo palácio quando estava frio, e de mioleira ao sol, se estava calor.

Certo dia em que estava muito aborrecida, a princesa decidiu subir ao alto da torre proíbida, onde vivia a bruxa que lhes fazia as poções para mudar cores de cabelo e os remédios para a tosse, e esconder-se por trás de uma porta, esfregando as mãos de contente, a pensar na grande partida que pregaria à velha. Assim que a apanhou de costas, deu uma corrida e deitou para dentro do caldeirão uma grande quantidade de cada um dos pós em cima da mesa. Depois, escapou-se pela porta, e ficou à espreita.

- Ocus-Pocus, lingua de dragão. – disse a bruxa, voltando-se para o caldeirão para mexê-lo com uma grande colher – Hoje vou fazer sopa de...

De repente, ouviu-se uma terrível explosão e a sala ficou cheia de fumo verde e roxo. A bruxa fugiu, com os cabelos vermelhos todos arrepiados, e deu de caras com a princesa. 


- Então foste tu outra vez! – gritou-lhe – Queimaste-me as sobrancelhas! Vais ver o castigo que te dou!

A princesinha começou a choramingar.

- Vou dizer ao meu paizinho. Vou dizer-lhe e tiro-te os sapatos!

- Pois do que tu precisas é de um bom castigo!

A bruxa levantou os braços e começou a cantar:

Ocus-pocus, princesa malvada,
com a minha magia, serás castigada!
Do chão uma árvore há-de crescer
E no cimo dela tu hás-de viver.

Com um grande estrondo, a bruxa fez desaparecer a menina, que voltou a aparecer mesmo no meio do jardim.

- É só isto? – disse a princesa, desatando a rir. – Olha que que bruxa tão parva.

Ainda mal acabara de falar, quando o chão tremeu e uma árvore começou a crescer mesmo debaixo dela. A princesa agarrou-se com força e fechou os olhos. Quando voltou a abri-los, estava sentada no único ramo da árvore, a subir rapidamente. De repente, parou, e a princesa estava tão alto que mal via o chão.


- Paizinho! Socorro! - gritou com toda a força dos seus pulmões, e logo acorreu muita gente aflita.

- Oh, minha querida filha! – chorou a Rainha – Quem a ajuda, por favor?

- Oh, minha querida filha! – chorou o Rei. – Uma recompensa a quem a salvar!

Os criados tentaram trepar ao tronco da ávore, mas era muito liso e escorregadio. Trouxeram escadotes, cada vez mais compridos, mas o mais longo mal chegava ao meio do tronco. Procuraram a bruxa, para que desfizesse o feitiço, em vão.

- Ó meu Rei, manda mensageiros pelo Reino. Alguém há-de poder ajudar a nossa filha. – pediu a Rainha, desesperada, e o Rei assim fez.

- Ouçam-nos, ouçam-nos! – gritavam eles, nas praças das cidades – O Rei de Beignet pede ajuda para a sua filha, que está presa na árvore mais alta do Reino. O Cavaleiro que a salvar, será recompensado com muitas riquezas e a mão da Princesinha.

O tempo passou. De todo o lado vieram cavaleiros e princípes, homens de muito valor e coragem para tentar salvar a menina.

- Eu salvo-a. – dizia cada um deles, e aproximavam-se da árvore, muito decididos.

Mas nenhum foi capaz nem de a tirar dali, nem de quebrar o feitiço. Por isso, a menina foi crescendo sozinha no topo da árvore, até ser quase uma mulher. Alimentava-se dos frutos que nasciam todo o ano, as suas roupas surgiam magicamente e cresciam com ela e, por muito que chovesse, à sua volta o tempo estava sempre bom. Era assim porque, toda a gente sabe, as bruxas sabem embruxar muito bem todas as coisas. A menina não tinha frio nem fome, mas estava tão cansada da solidão, que há muito se arrependera das suas maldades e caprichos.

Um dia, um dos mensageiros chegou a um reino extraordinário, onde as pessoas moravam em cavernas cobertas de pedras brilhantes. Farto de correr mundo por uma princesa que roubava sapatos e chapéus, disse apenas:

- Se alguém quiser ir tirar a peste do cimo da árvore, há uma recompensa.

O mais corajoso desse reino era um rapaz ainda novo, e a aventura de ir salvar uma princesa num país distante pareceu-lhe muito divertida. Para além disso, tinha curiosidade em saber que menina era essa, que se metera em tamanho sarilho. Montou no dorso do seu pássaro gigante, tão azul que se confundia com o céu atrás dele, e partiu nesse mesmo dia. Durante muito tempo, viajou. Por vezes, só se via o vermelho da sua capa de veludo e o dourado flamejante dos seus cabelos. Quando finalmente a sua ave fantástica aterrou no pátio do palácio, o Rei apareceu à varanda e o rapaz gritou:

- Venho salvar a princesa! – apontou para a asua águia gigante, e o rei ficou tão feliz que veio a correr, apertar-lhe a mão com todas as suas forças.

- Se conseguires trazer-me a minha filha sã e salva – prometeu – dou-te todo o ouro que quiseres e a sua mão em casamento.

O cavaleiro, que não viera em busca de recompensas, achou que aquela era uma oferta muito estranha.

Ora essa, e se não gostarmos nada um do outro?, pensou, mas nada disse.

Fez uma vénia e montou na sua ave, que se elevou suavemente no ar e se dirigiu ao jardim. Já lá estavam muitas pessoas, que queriam ver se ele era realmente capaz desse salvamento e queriam vê‑la, porque ela estava há tanto tempo lá em cima, que já ninguém sabia qual era a sua aparência.

O jovem aproximou-se do único ramo da árvore e descobriu uma rapariga de cabelos muito compridos, com um ar muito enfadado, tão distraída a observar um pássaro amarelo que quase saltou quando o viu.

- Quem és tu? – perguntou, pondo-se de pé no ramo fininho, para o ver melhor.

- Venho salvar-te. Anda daí. Salta para o dorso do meu pássaro.

A princesa deu um gritinho de alegria.

- Viva! Estava tão aborrecida, aqui em cima, sozinha.

Não hesitou um segundo, antes de dar um grande salto e aterrar mesmo atrás dele. O cavaleiro riu-se.

- És corajosa, Princesa. Vamos, os teus pais estão ansiosos para te verem.

A princesa deu uma grande gargalhada. Estava tão feliz!

- Eu também quero muito abraçá-los. Mas, primeiro, gostava que voasses por cima da cidade, para que todos vejam que me salvaste. E podemos conversar. Há tanto tempo que não converso com ninguém!

Deram duas grandes voltas à cidade, voando baixinho para que todos pudessem ver bem a princesa. Iam conversando, porque a rapariga queria saber todas as coisas que, no alto da sua árvore, já esquecera. Fez muitas perguntas, o que vestiam as pessoas e o que comiam, do que falavam e se ainda dançavam nas festas, que livros liam e se havia guerra. Não havia, e o rapaz divertiu-se muito a responder a tudo o que sabia. Quando finalmente pousaram no pátio do palácio, o rei e a rainha apertaram-na tanto nos braços que ela nem conseguia respirar.

- Tentamos apanhar a bruxa, - explicou o Rei – para a castigarmos, mas não conseguimos encontrá-la.

A princesa abanou a cabeça com força.

- Não, pai. Deixa a bruxa em paz. Se quero estar ao pé dos outros, não posso estar sempre a fazer-lhes mal.

O rei abraçou-a outra vez. Depois, falou para o rapaz:

- A nossas gratidão não tem fim. O que desejas para ti?

O rapaz pensou e concluiu que afinal até gostava da rapariga, e afinal sempre era princesa. Era de mau tom recusar a sua mão.

- Eu gostaria de casar-me com a princesa, mas só se ela quiser casar-se comigo.

A princesa ficou de repente muito corada e com os olhos muito arregalados.

- Casar? Mas se ainda agora desci da árvore!

Todos olharam para ela, muito calados. O Rei prometera a sua mão. A princesa observou o rapaz um bocado, pensou, repensou, e disse:

- Está bem. Caso-me contigo, mas tens que esperar... dois anos. Quero ver o mundo primeiro!

O rapaz achou que, para além de bonita, ela também era esperta, e concordou.

Todas as pessoas do palácio gritaram “VIVA! VIVA!”, tão alto, tão alto, que se ouviu até aos confins do reino, onde a bruxa vivia numa casa amarela. A bruxa riu-se e estalou os dedos. No jardim, ouviu-se um pequeno ‘pop’. A árvore que fora a casa da princesa tantos anos desaparecera para sempre.

FIM


Mais uma vez, o nosso muito obrigada à Carla M. Soares. Desejamos-lhe as maiores felicidades e sucesso!

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