sexta-feira, 10 de abril de 2015

O Nosso Obrigada à Sónia Ferraz da Cunha

Sobre o autor:

"Sónia Ferraz da Cunha é licenciada em História da Arte pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto, e em Conservação e Restauro pelo Instituto Politécnico de Tomar. Ao longo da sua vida profissional exerceu diversos cargos em diferentes áreas, como Técnico Superior de Conservação e Restauro, Professora Universitária de Conservação e Restauro e Professora de História do 3º Ciclo e Secundário. A paixão pela Literatura em geral, e pela arte da escrita em particular, nasceu ainda Sónia se encontrava sob a estática e permanente observação das elevações montanhosas que coroam as paisagens de Trás-os-Montes, de onde é originária e onde nasceu decorria o ano de 1977, sendo que atualmente reside na Invicta cidade do Porto, cidade que a adotou e que por ela foi tão apaixonadamente adotada."



E foi com a Sónia Ferraz da Cunha que passamos o nosso mês de Outubro!

Para os mais distraídos, deixamos aqui a marca que a Sónia Ferraz da Cunha deixou no Bloguinhas Paradise!

Pensamentos do Dia: 1, 2, 3


E estando nós de parabéns, a Sónia Ferraz da Cunha deixou uma prendinha para nós e para os nossos leitores.


Dois homens e uma vida


“Não passamos de frágeis criaturas desorientadas” disse abstratamente o homem velho, não tão velho, mas o suficiente para a consideração de o ser.

“Quem? Do que falas?” Perguntou o homem jovem, com o rosto liso e firme de juventude e afogueado pela curiosidade.

“Morremos lentamente em desespero quando a alma irrequieta não se contenta com o tudo que lhe é apresentado à sua volta, e se o tudo nos é roubado, lutamos até à morte por sobreviver num mundo onde já nada vive ou nos contenta” continuou o homem velho, como se não tivesse ouvido as questões do outro, como se as ignorasse por inocência e não por maldade; e não porque não as houvesse escutado, não porque as quisesse de facto ignorar, mas o olhar de quem assim o questionava era de tal forma resplandecente de vigor, acutilante, fascinante, hipnótico, diabolicamente belo, que sem pudores lhe envergonhavam o pensamento, o discernimento.

Talvez todo aquele encantamento não passasse de ilusão, e a imagem que fascina tudo à sua volta ofusca, impedindo a construção duma ideia clara e objetiva sobre o objeto do feitiço.

“Falas absurdos, dia e noite, apenas proferes insuportáveis despropósitos nos quais só tu acreditas! Quando te tornaste tão amargo, cínico e arrogante? Que terei eu feito para merecer tão insustentável destino?” Ao acabar o protesto, o homem jovem apertou o lábio inferior com os dentes. Eram como cerejas frescas, os seus lábios, avermelhadas, sumarentas e esponjosas, e certamente deliciosas.

A cor destes contrastava agressivamente com a demais palidez da sua fisionomia que era violentamente realçada pelas vestes de um negro carregado. Era como se todas aquelas tonalidades travassem uma batalha de morte por alcançarem um bizarro protagonismo.

“Por que te vestes o tempo todo de negro?” Perguntou o homem velho ao homem jovem que ao ouvir a questão soltou uma sonora gargalhada.

“Tu sabes o porquê, talvez melhor do que eu, mas condescender-te-ei uma resposta – visto apenas preto porque cada dia morre um pouco de mim, seja um sonho, uma ilusão, uma esperança, a inocência dum pensamento, pelo que quando a morte final chegar para mim, o meu luto próprio estará feito”

“Ah! Naufraguei nas minhas próprias verdades, agora resta-me a mortalha final, estupidamente alva!” Suspirou através de palavras o homem velho, depois que durante silenciosos segundos tivesse considerado as palavras do homem jovem. Este cravou nele aqueles olhos vivos de luxuriante beleza e avidez, inundados por um marulhar de extraordinárias sensações que ainda estariam por vir. Por oposição estavam os olhos sem brilho, estáticos de esperança, secos de vida, do homem velho.

“Devias ter-me matado enquanto ainda me amavas, enquanto ainda sentias e sonhavas e te deixavas levar…” Disse o homem jovem, palavras que foram expostas pela sua boca como que em sussurro que lentamente se vai diluindo no silêncio.

“Avô? O jantar está pronto!” Exclamou jovialmente uma criança através da porta do estúdio onde o homem velho se sentava e extraordinariamente concentrado, olhava o seu próprio retrato, de quando muito mais jovem.

Distraidamente o homem, e sem um segundo olhar, um segundo pensamento, tão-somente soltando um prolongado suspiro, pousou o porta-retratos e foi jantar.



Mais uma vez, o nosso muito obrigada à Sónia Ferraz da Cunha. Desejamos-lhe as maiores felicidades e sucesso!

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