domingo, 27 de dezembro de 2015

Opinião - "Cristal", Pedro Belo Clara


 Sinopse

«Todo o livro é um longo adeus de despedida, uma elegia serena, uma chama que gela ao vento, uma ausência, um longo suspiro, uma folha sobre o rio que passa – um cristal desfragmentado. Pela memória, viva, que perfura o passado, devolve-nos, nítidos ou fugidios, vigorosos ou diluídos, os sentidos, o corpo, o desejo e a dor da perda. É aqui que vai dar-se a surpresa, a beleza do inesperado embate.»

Opinião

Cristal, de Pedro Belo Clara, é mais um livro de Poesia para a minha colecção de obras deste género literário que tanto me encanta. E creio poder descrever-vos esta leitura em duas palavras: quase lá! Estranha esta minha descrição, não? A verdade é que me tem chegado às mãos Poesia de autores portugueses, estreantes ou não nestas andanças, que não foi capaz de ir ao encontro das minhas expectativas. Culpa minha, que estabeleci, pelos meus gostos, uma fasquia demasiado elevada. No entanto, Pedro Bela Clara conseguiu fazer-me lembrar o porquê de eu gostar tanto de poesia, esse parente pobre da literatura que tantas vezes é deixado ao abandono em estantes sombrias e bafientas à espera de uma alma desconcertada que o entenda.

Feita esta nota introdutória, debrucemos-nos então nesta agradável viagem poética dividida em três partes pelo autor, um franco Poeta de Amor, pelo menos nesta obra. O que na minha perspectiva é um primeiro passo para o sucesso, pois é difícil errar cantando o Amor, por ser um lugar-comum, por facilmente emocionar, por ser compreensível a empatia, e mesmo por ser desculpável qualquer sintaxe menos bem conseguida pelo embriagamento apaixonado, convínhamos que ninguém se incomoda muito com a cacofonia camoniana alma minha gentil, que te partiste. Ainda assim, não poderemos apontar nada à escrita de Pedro Bela Clara, muito pelo contrário. É muito trabalhada, cuidada, requintada, com recursos estilísticos para lá de bem empregues. A mancha gráfica é variada quebrando a monotonia dos vulgares sonetos amorosos, o verso é livre e é a prova que um poema não precisa ser feito de versos que rimam para nos deixar apaixonados.

A temática centrada no Amor é aliada a uma presença constante de um olhar bucólico de um sujeito poético muito sensível e que mesmo na descrição de um amor mais carnal se mostra contido e elegante na escolha das palavras, o que sempre faz as delícias da minha alma, ver o esforço do poeta em ludibriar a donzela ao abrilhantar a voluptuosidade dos vulgares mortais.

Como disse, a obra está dividida, de forma consistente, em três partes. A primeira inicia-se com o poema Innocentia que nos vem preparar para os poemas seguintes, que nos falam da inocência da descoberta, do desabrochar, do sonhar, do Amor, da inocência do sonhar o Amor – Oh, as promessas tecidas no desabrochar duma flor… – do desejo do ser amado, que ainda distante se encontra e com o qual adormecemos no pensamento para acordarmos na matutina ilusão solitária. A segunda parte é o consumar do Amor, é um elogio a esse tão grande sentimento, é o calor do verão. Por fim, o livro encerra com a melancolia do vazio, o fim inevitável do que sempre acreditamos ser eterno, o amor que finda, a estação que acaba, e o recomeço. 

Porque é assim o Amor, um sonho frágil, Cristal quebradiço que seguramos com todas as nossas certezas e incertezas, até ao dia em que o tempo nos faz lembrar: não há como cerrar a mão quando a mão da morte se abre para a receber.

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