quinta-feira, 7 de julho de 2016

Opinião "A Chama ao Vento", Carla M. Soares

Sinopse:

“Um corpo anónimo é lançado à água num misterioso voo noturno sobre o Atlântico…

Vivem-se os anos mais negros da Segunda Guerra Mundial, e a vida brilha com a força e a fragilidade de uma chama ao vento. Na Lisboa de espiões e fugitivos dos anos 40, João Lopes apresenta à sua amiga Carmo um estrangeiro mais velho, homem de segredos e intenções obscuras que depressa a seduz, atraindo os dois jovens para uma teia de mistérios e paixões de consequências imprevistas.

Anos volvidos, Francisco, jornalista, homem inquieto, pouco sabe de si próprio e menos ainda de Carmo, a avó silenciosa que o criou, chama apagada de outros tempos. É João Lopes quem promete trazer-lhe a sua história inesperada, história da família e dos passados perdidos nos tempos revoltos da Segunda Grande Guerra e da Revolução de Abril. Para João, é uma história há muito devida. Para Francisco, o derrubar dos muros que ergueu em torno da memória e da própria vida.

Um retrato íntimo de Portugal em três gerações, pela talentosa escritora de Alma Rebelde.”


Opinião:

Para quem não sabe, Carla Soares é, sem sombra de dúvida, uma das minhas autoras preferidas. Assim, como seria de esperar, iniciei a leitura desta que é a sua segunda obra publicada com bastantes expectativas. Infelizmente, não posso dizer que o livro me tenha enchido as medidas e alcançado todo o seu potencial.

A história desenrola-se essencialmente em torno de Francisco, o seu presente, o seu passado e o seu futuro. E penso que aquilo que menos me agradou nesta obra foi a construção e organização da narrativa. Com isto, não quero dizer que a leitura se tenha tornado confusa e pouco organizada, mas a verdade é que a obra é repleta de vais e vens – ora estamos no presente com Francisco a conversar com João Lopes, ora estamos no passado a reviver de uma forma demorada, descritiva e por vezes emotiva o passado de Francisco e de Carmo.

Apesar de compreender exactamente porque é que a história foi escrita desta maneira, não posso dizer que me tenha conquistado. Essencialmente, adorei a caracterização das personagens! Adoro a forma como a Carla escreve e descreve, adoro a forma como nos consegue colocar na pele de cada uma das personagens e, efectivamente, fiquei a conhecer muito bem Francisco, Carmo e João Lopes. Quando acabei a leitura, o sentimento que prevaleceu nem sequer foi a desilusão, mas sim a pena/tristeza de algum mau aproveitamento. Sei que a Carla não me leva a mal, porque sabe que a minha opinião é sincera, construtiva e nunca pejorativa.

Mas para que compreendam melhor esta minha opinião, convém introduzir e falar um pouco sobre a história. Temos como narrador Francisco – a nossa personagem principal – e, pela sua voz vamos conhecendo e revivendo, como disse, toda a sua vida. E não há qualquer dúvida de que a sua vida foi muito triste. No entanto, inicialmente dei por mim irritada com a personagem – isolada com os seus pensamentos, frustrações e tristezas, incapaz de se abrir, incapaz de partilhar, incapaz de viver! Ao virar de cada página, felizmente, a autora vai-nos explicando porque é que ele é assim. Como todos sabemos, e nos diz brilhantemente a Carla "Ninguém é só uma coisa ..., e sabes bem que as coisas que acontecem às pessoas as modificam. Toda a gente pode mudar." E Francisco é o exemplo disso mesmo – é exemplo de que somos moldados de acordo com a nossa infância e adolescência, de que desta moldagem resulta algo bom ou mau, mas que apesar de a fase de crescimento e moldagem já ter passado, nada na vida e na nossa personalidade é estanque - Nunca é tarde para abrir os olhos!

Para além de Francisco, outra personagem de grande destaque é Carmo – a sua avó. Mais uma vez não somos presenciados com a descrição de uma vida feliz. Não posso dizer que tenha compreendido esta personagem totalmente, apenas que empatizo com ela. Infelizmente não consigo deixar de a culpar pela vida de Francisco. Mas, mais uma vez, consigo adorar as personagens que a Carla cria, porque um livro não deixa de ser uma vida. E como na vida real, estranho era se gostássemos de toda gente e se nenhuma destas personagens tivesse defeitos. E, por isso, apesar dos defeitos de Carmo, no fim, consigo perdoá-la. Se, por um lado, através de Francisco a autora nos mostra como é que a nossa vida e as pessoas que a rodeiam podem influenciar a nossa personalidade, por outro lado, com Carmo a autora traz-nos outra vertente igualmente importante, mas muitas vezes esquecida por todos nós. Existe ainda outro factor que influencia esta nossa personalidade – a época e o regime em que vivemos. E aqui encontro outro factor positivo na narrativa, a história de um Portugal antes do 25 de Abril, a história de um país preso, mas cheio de vontade por se libertar!

Com um papel menos evidente, mas tão importante, tão sólido, como um pilar, temos João Lopes – um amigo de Carmo. É através dele que Francisco fica a conhecer o seu passado e o passado da sua avó, tornando possível a reconstrução do seu eu e da sua vida. Gostei muito desta personagem e da sua tentativa desenfreada de transmitir à personagem principal como era a Carmo que ele conheceu, que, por sinal, era muito diferente da que Francisco conhecia. No entanto, como já referi acima, não apreciei muito cada vai e vem da narrativa. Senti que algumas descrições e viagens no tempo seriam desnecessárias. Na verdade, senti-me como Francisco – ansioso por um esclarecimento plausível e não compreendendo a relevância de tudo aquilo que João estava a partilhar. Mas como a Carla escreve tão bem, sinto-me capaz de num dia aleatório ler partes destas memórias como se fosse um diário.

Por fim, tenho que falar em Teresa – uma das personagens mais discretas ao longo da narrativa, mas que se pensarmos bem teve um dos papéis mais importantes no abrir dos olhos de Francisco.

Infelizmente, tenho que referir que esta é uma edição em ebook, o que mais uma vez me deixa triste ao saber o imenso potencial da autora e das suas obras. Era uma obra que merecia o papel, independentemente de não me ter enchido as medidas. Sendo repleta de memórias, foram muitas as vezes em que tentei fechar o livro, saborear e voltar a abrir, mas como é óbvio não podia! Por outro lado, a partir de um certo ponto na leitura queria muito chegar ao fim. Mas como é óbvio, ainda não tendo um e-reader, sou forçada a dizer que quando acabei de ler caiu sobre mim uma enorme dor de cabeça. E com isto não estou a criticar os ebooks, mas sim a dizer que para todos os leitores deveriam existir duas opções. Nem todos nos damos bem com a leitura de ebooks, mas claro que tinha ler esta obra da Carla que era a única que me faltava ler! Ainda tenho que acrescentar que a edição que li da obra contém algumas gralhas que na minha opinião deveriam mesmo ser corrigidas.

Em conclusão, apesar de o livro não me ter enchido as medidas, a Carla é uma excelente escritora, uma excelente contadora de histórias e mestre na construção e caracterização das suas personagens. E, após reflexão e escrita desta opinião, fico até tentada a mudar a classificação da obra no goodreads de 3 para 4 estrelas, porque de facto, não foi o que eu queria, esperava e achava que devia ser, mas um dia vou voltar a ler!



Podem ler a opinião da Bárbara a esta obra aqui. E ainda as minhas opiniões às restantes obras publicadas da autora: "Alma Rebelde" e "O Cavalheiro Inglês"

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