sábado, 26 de agosto de 2017

Opinião "Se Eu Fosse Tua", Meredith Russo

Sinopse

"Só porque tens um passado, não quer dizer que não possas ter um futuro.

Mudar de escola no último ano e ser a miúda nova do liceu nunca é fácil para ninguém. Amanda Hardy não é excepção: se quiser fazer amigos e sentir-se aceite, terá de baixar as defesas e deixar que os outros se aproximem.
Mas como, quando guarda um segredo tão grande?

Uma história inspiradora e comovente que nos enche o coração e nos ensina que o amor mais verdadeiro e profundo nasce da coragem de sermos nós mesmos." - in Goodreads




Opinião

Se Eu Fosse Tua” (“If I Was Your Girl”, no original) conta a história de Amanda Hardy, uma jovem transgénero que, após um grande período a sofrer bullying por parte dos colegas pela sua identidade de género, e que culmina numa agressão particularmente grave, muda de escola, tentando fugir à intolerância da sua comunidade. Amanda vê nesta mudança a oportunidade de se dar a conhecer como uma rapariga adolescente como todas as outras, livre do preconceito que desde cedo a perseguiu.

Amanda vai às aulas, faz amigos, discute com o pai, e apaixona-se, como qualquer rapariga da sua idade. Ainda assim, para além da tempestade de emoções própria da adolescência, a protagonista carrega o peso da culpa e da vergonha – de ser quem é, e de o esconder de quem lhe é mais próximo.

Não fosse o pormenor de a protagonista ser transgénero, e “Se Eu Fosse Tua” tratar-se-ia de mais um banalíssimo teen drama capaz de entreter marginalmente os fãs do género. Mas a verdade é que Amanda, pela sua identidade de género, passa por experiências que lhe são únicas e com as quais de outro modo um leitor cisgénero não se cruzaria. Na minha opinião, esta obra vale essencialmente pelo modo como chama a atenção para as vivências de alguém que é marginalizado por parte da sociedade, e de como a nossa atitude pode fazer a diferença na vida dessa pessoa. Haverá sempre pessoas de mente fechada que magoam os que são diferentes (quase) sem se aperceberem, para não falar dos que o fazem propositadamente. Está nas nossas mãos informar-nos sobre temas que até nos podem ser inicialmente desconfortáveis, mas que são absolutamente necessários para nos tornarmos mais empáticos e tolerantes. Este percurso é bem ilustrado pela personagem do pai de Amanda, que consegue eventualmente deixar o amor que sente pela filha ultrapassar o seu preconceito.

Para além da disforia de género, o termo clínico que traduz o sofrimento das pessoas cujo género não corresponde ao que lhes foi atribuído à nascença, o livro aborda vários outros problemas de saúde mental que muitas vezes afectam estas pessoas, como a ansiedade, a depressão e o suicídio. Mas, e felizmente, a autora também fala do caminho para a recuperação, e de como esta é alcançável com ajuda profissional e dos que nos rodeiam.

Um aspecto muito importante para o qual Russo alerta é o facto de que a história de Amanda é isso mesmo – a história de Amanda. Não é a experiência universal de todas as pessoas transsexuais, nem sequer corresponde exactamente à experiência da autora. Há pessoas que não têm acesso a todos os cuidados e recursos disponíveis a Amanda, o que não deve invalidar a sua existência. Com ou sem hormonas, com ou sem cirurgias, em qualquer momento da sua transição e de qualquer modo pelo qual a escolham fazer. Ainda assim, penso é bom para os leitores transgénero começarem a ver-se representados em obras mais mainstream.

Portanto, não considero que este seja um livro cuja forma ou escrita deslumbre, mas que vale pelo conteúdo, e que pode ser uma leitura muito interessante para quem quer saber mais sobre o tema. Acho-o especialmente relevante para os leitores mais jovens, que só têm a ganhar com a exposição a vidas diferentes das suas (e o que são os livros se não maneiras de vivermos várias vidas diferentes?)


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