Sinopse
«Os portões abrem-se de par em par, obedecendo ao firme impulso das mãos secas de manhãs. Estilhaçam-se com o esforço, num esgar mudo de pele rasgada, as heras que envidraçavam o lugar de abandono, cedendo a uma pressão tão faminta quanto essa ânsia animal de romper a virgindade do que foi bebido.
A rugosidade das pedras batidas por passos de cautela semeia poeiras subtis, os líquenes das superfícies abertas à erosão (de tempo ou gente?) cintilam numa estranha melodia de musgo fendido na quentura duma luz que não há.
Os lugares têm uma sonoridade própria. Cada recanto, cada cheiro, cada ausência rendida à invasão solar. A morte do vivido é velada por profundos silêncios.»
A rugosidade das pedras batidas por passos de cautela semeia poeiras subtis, os líquenes das superfícies abertas à erosão (de tempo ou gente?) cintilam numa estranha melodia de musgo fendido na quentura duma luz que não há.
Os lugares têm uma sonoridade própria. Cada recanto, cada cheiro, cada ausência rendida à invasão solar. A morte do vivido é velada por profundos silêncios.»
Opinião
Pedro Belo Clara, autor do livro Cristal, amavelmente fez chegar até mim a sua mais recente criação, Quando as manhãs eram flor, que li de uma assentada num sôfrego e chuvoso serão.
Voltamos nesta obra a reencontrar-nos com um Poeta da Natureza, não ao estilo de Alberto Caeiro, mestre na recusa do pensar, mas um Poeta que através de um exímio bucolismo canta o Amor. Tal como em Cristal, as páginas de Quando as manhãs eram flor trazem-nos um Adeus de despedida, um hino à Saudade, é como se todo o livro fosse apenas um único poema que nos dá a conhecer o amargurado desgosto de Inverno, quando uma paixão estival assolapara o coração de ave ferida do sujeito poético. A citação inicial de Pablo Neruda resume muito bem estas cerca de noventa páginas Es tan corto el amor, y es tan largo el olvido.
Senti que o autor nos contava a sua história, o que não é vulgar num livro de poesia, quase como se de uma narrativa em prosa se tratasse e pudéssemos acompanhar os amantes sentados à margem de um rio, que tanto trazia esperanças como levava mágoas, e com eles pudéssemos ver passar as estações do ano, intimamente relacionadas com ambiente psicológico do sujeito poético.
A escrita mantém-se fiel ao autor, o que para mim é um aspecto muito positivo, começar a ler um poema e saber de imediato a quem pertence, e Pedro Belo Clara tem uma deliciosa forma de escrever, tão esmerada e visual que me faz estar constantemente de sorriso hasteado como se o próprio Mr. Darcy saltasse das páginas de Jane Austen e me viesse sussurrar ao ouvido.
Quando as manhãs eram flor está dividido em quatro partes – tantas quantas as estações do ano – mas se em Cristal a divisão me parecia muito consistente aqui não me convenceu e tive alguma dificuldade em delimitar fronteiras entre os capítulos que justificassem a divisão. Além disso, o facto dos capítulos I e IV serem escritos em prosa poética confere à obra uma heterogeneidade que, pessoalmente, não creio que tenha trazido nenhum acrescento.
Apesar de estar repleto de poemas lindíssimos, enquanto obra creio que Quando as manhãs eram flor ainda ficou muito próxima do livro anterior. Tenho ainda de deixar o aviso que não é uma leitura fácil, exige alguma dedicação, podendo tornar-se cansativo sempre que não consigam decifrar em pleno a mensagem do autor.
Por fim, o livro encerra com um texto de prosa poética, todo ele uma metáfora ao fim e ao recomeço das relações e que serve para nos lembrar que Por morrer uma andorinha / Não acaba a primavera.
Termino agradecendo ao Pedro por partilhar comigo este seu livro e por me trazer à lembrança que temos essa imensa capacidade de cicatrizar, que podemos sofrer a nostalgia de recordar Quando as manhãs eram flor mas que inevitavelmente O coração inflama-se de vida. Por tantas tormentas se pensou condenado ao sono dos mutilados.
Podem ler a minha opinião do livro Cristal Aqui.
Sem comentários :
Enviar um comentário