Sobre o autor:
"Pedro Belo Clara nasceu em Lisboa, no ano de 1986. Desde que se dedicou com maior afinco à criação literária, participou com poemas de sua autoria em exposições de pintura, em diversas colectâneas de poesia contemporânea organizadas por editoras de renome e dirigiu, quando convidado, junto de escolas secundárias e doutros grupos interessados, conversas informais sobre a obra de certos autores portugueses dos séculos XIX e XX. Como colaborador de revistas e blogues literários, tanto portugueses como brasileiros, pela sua actualidade e frequência destacam-se as seguintes participações: SubVersa, 7Faces e Letras in.verso e re.verso. É autor dos blogues Recortes do Real e Uma Luz a Oriente. O presente trabalho [Quando as Manhãs eram Flor] é o quarto título que edita sob a chancela da Chiado Editora."
Entrevista:
Quando é que começou a escrever? E o que a fez começar a escrever?
O meu começo está ligado à música, curiosamente. Os primeiros poemas que escrevi, todos eles rimados, eram na verdade canções, palavras que juntava às melodias muito rudimentares e experimentais que de improviso inventava com a minha guitarra. Foi durante o processo de aprendizagem desse instrumento que o início se deu. Quando dei por mim estava a escrever poemas, só palavras, sem melodia no apoio, além daquela que se exalava dos versos escritos. Foi na realidade um fruto que cresceu de uma jornada de expansão, uma descoberta de possíveis talentos e desenvolvimento dos mesmos, mas de um modo muito natural e livre, aquele através do qual colhia (e ainda colho) maior felicidade, também porque me permitia escapar ao ritmo académico que então ameaça assoberbar-me. Acima de tudo, fazia o que fazia por paixão ao acto em si, ainda que tudo fosse, como antes referi, uma experiência, uma descoberta. O grande impulsionador, contudo, e apesar do que já contei, foi talvez as dores de um amor adolescente, raiz de grande parte dessas canções e dos primeiros poemas, aliadas às diversas circunstâncias da vida académica de então. Teria uns dezasseis anos, quase dezassete, quando tudo se deu, e pensamentos como o término do liceu e que caminhos seguir depois disso surgiam, obviamente. A pré-disposição já existia, essas circunstâncias apenas deram substância à expressão. Devo no entanto acrescentar que um pouco antes já me divertia, em conjunto com alguns amigos, a alterar as letras de canções existentes, e à época em voga, dando-lhes um toque satírico e irónico. Versávamos sobre assuntos vários, nomeadamente aqueles que então se consideravam tabu e que os adolescentes, sempre rebeldes, gostam de abordar pelo carácter provocatório dos mesmos. Mas não passavam de brincadeiras sadias. No entanto, o prazer de ficar a sós com uma caneta e folha branca surgiu aí, mesmo que não o tivesse compreendido desde logo.
Qual o primeiro livro que se recorda de ler? E o próximo na lista?
Desde tenra idade que me oferecem livros, mesmo antes de saber ler. Lembro-me de os ver na estante, livros próprios para a idade de então, e de algum familiar mais próximo mos ler. Lembro-me de livros com personagens da Disney, alguns clássicos de sempre como o “Capuchinho Vermelho” e as fábulas de Esopo e La Fontaine, lembro-me dos livros da Anita, onde aprendi a ler, curiosamente, e de alguma banda desenhada, com as Tartarugas Ninja, Lucky Luke e Astérix & Obélix à cabeça dos favoritos. Esse até foi o género que comecei a ler por iniciativa própria, mais tarde. Não era então muito dado a outras leituras… Até dizia que não gostava de ler. Mas apenas porque andava a insistir nos livros errados, como vim depois a descobrir… Tudo mudou quando encontrei a poesia, anos depois.
O próximo da lista? Bem, isso até para mim será surpresa… Não faço grandes contas aos livros que leio, tampouco planos. Dou sempre primazia à liberdade e à espontaneidade, mas se por ventura programar quatro leituras diferentes para um determinado mês, sou daqueles que quando o período estabelecido termina ainda tem para ler… cinco livros. Ou seja, mais do que quando começou. Pois facilmente compro outros além dos que já estou a ler, deixando-os “em espera” se um qualquer enfado por ventura se instalar. Mas depois vem outro, e outro, e outro… Livros na estante, livros na mesa de apoio, livros na cadeira… Enfim, é uma grande confusão. No entanto, sem contar com a releitura que de momento estou a fazer do grande clássico “A Ilha do Tesouro”, de Stevenson, creio que continuarei com o Nobel Ishiguro. “O Gigante Enterrado” foi uma experiência muito agradável, e quero ainda mergulhar n’ “Os Despojos do Dia”, cujo filme até já vi. Será esse ou “A Luz da Ásia”, do Edwin Arnold. Já o tenho há algumas semanas e pouco mais fiz que folheá-lo.
Quais os seus livros preferidos e autores?
Existem três poetas portugueses que, além de terem marcado de forma mais duradoura e indelével o meu trabalho, por este ou outro motivo, ainda vigoram no meu topo de preferências e são leituras, ou melhor, releituras recorrentes. Desde logo, o grande Eugénio de Andrade. Mas também Sophia de Mello Breyner e António Ramos Rosa. Dos dois primeiros, curiosamente, sempre senti maior atracção pelos livros nascidos na primavera das suas carreiras. De Eugénio, por exemplo, livros como “As Mãos e os Frutos”, “O Coração do Dia” e “Ostinato Rigore” ainda me merecem um carinho muito especial. Embora o “Matéria Solar”, de que agora me lembro, “Branco no Branco” e “O Outro Nome da Terra”, livros mais maduros, sejam igualmente excelentes escolhas. Com Sophia passa-se o mesmo: “Coral” e “Dia do Mar” poderiam ser os meus destaques. Já Ramos Rosa tem um efeito contrário, é curioso. A minha preferência recai para os livros da sua maioridade, digamos assim. O último que editou, por exemplo, “Numa Folha, Leve e Livre”. É claro que existem outros autores que vamos lendo, dos quais vamos recebendo uma certa influência de pensamento ou discurso quando em contacto com a sua essência, mas que num determinado momento, seja por que motivo for, começamos por deixá-los de parte. Pessoalmente, autores como T.S. Eliot, Walt Whitman, Ruy Belo, José Agostinho Baptista e outros, tiveram esse tempo de maior influência e até de interesse. Ainda que os estime, não tenho sentido grande apelo para releituras ou para a descoberta do que ficou por experienciar. Certas leituras têm o seu tempo, a sua lógica, a sua justiça. Ainda que nem sempre saibamos porquê. De alguns anos para cá, tenho explorado bastante a literatura oriental, nomeadamente a sua poesia, um gosto que ainda perdura nos dias de hoje – ou não tivesse criado um blogue, de seu nome “Uma Luz a Oriente”, com o intuito de o partilhar com todos os que se interessem por tal. Dentro desse universo, nomes como Bashô, Li Bai, Kabir ou Rumi são referências obrigatórias.
Pelo que já afirmei, compreende-se que tenho maior inclinação para a poesia do que, por exemplo, para o romance. Mas é óbvio que dentro do estilo existem autores cujos livros muito me cativaram. Steinbeck, Hemingway (os contos, em especial), Manuel da Fonseca, Carlos de Oliveira, Hesse, Tagore (e este ainda produziu bastante poesia), o próprio Thoreau, num outro registo… Enfim, ainda são alguns. Mas todos estão claramente dentro do círculo das minhas maiores preferências.
Qual a melhor companhia para um livro? O café, a praia, o quentinho do sofá?
Apesar da maioria das minhas leituras ter, como a epígrafe de um livro de Bashô, o gosto solitário do orvalho, partilhar o silêncio da leitura com alguém que amamos é de um conforto íntimo imenso. Mas na verdade ambas as situações são belas a seu modo, e justificam-se quando se proporcionam as devidas circunstâncias. Leio bastante na cama, antes de dormir, mas das hipóteses que enumerou terei de dizer… café, claro! Mas pouco movimentado, preferencialmente. Embora o sítio favorito seja o jardim, ou um sossegado parque urbano, rodeado pelas flores, árvores e pássaros que povoam muitos dos meus poemas. E não será por acaso, visto que muitos nascem em cenários assim. Quanto maior envolvência natural, melhor. Se não existir a possibilidade de um contacto mais profundo com a natureza, então um jardim ou um parque citadino fará as vezes da preferência principal. A praia também oferece uma grande disposição para a leitura, é verdade, mas o ambiente envolvente em regra propicia outras actividades. Não costumo ler na praia, definitivamente. O sofá… Bem, quando a chuva impossibilita a ida ao jardim ou até à esplanada de um café, o sofá surge como uma esplêndida hipótese! Com uma chávena de café feito em casa, como é de preceito. Sabe bem nas alturas e condições certas, mas não supera um banco de jardim ou a generosa sombra de uma árvore gentil. Nunca sabemos quando virá um simpático verdilhão espreitar a nossa leitura ou uma borboleta nos saudar com as suas vivas cores. Que maravilha haverá maior que essa?
O Poeta é um fingidor” ou quem escreve Poesia vive muito aquilo que escreve? É o poeta um ser em constante desalento e conflito?
Já me colocaram essa questão diversas vezes, sabia? Só não sei se a resposta tem variado muito… Ainda a creio sólida na sua essência mais íntima. Bem, no meu universo poético não me direi fingidor. Pelo menos no sentido de “fingir completamente a dor que deveras se sente”. Não é essa a minha abordagem. Mas admito um certo “fingimento” dentro da genuinidade do acto criativo. Parece paradoxal, tanto que a própria metáfora, sempre presente nas minhas linhas, pode servir de capa enganadora, mas não o creio intencional. Talvez até não seja fingimento, mas um disfarce inocente. É que da realidade apreendida e vivida facilmente se cria uma outra, a poética. Não direi que seja um mundo de evasão, uma fantasia desenhada para satisfazer desejos íntimos, apenas um plano que surge da própria criação poética. Mas ainda há muito de verdade naquilo que aí se pinta. No meu último trabalho, por exemplo, “Quando as Manhãs Eram Flor”, os leitores poderão considerar a figura feminina que pela sua ausência se faz presente alguém que me foi próximo e com quem tanto partilhei, e isto em termos de vida pessoal. Não estará errado, mas não é totalmente certo. Aqui sim, entrará o tal aspecto de “fingidor”, mas repito: não é em mim intencional. Essa figura não corresponde a ninguém na vida real, é apenas um rosto ao qual vários se colam, uma espécie de personagem-tipo, se preferir. A poesia nasce porque antes foi vivida, nem que tenha sido em pensamento. Mas mesmo esse teve de se basear numa qualquer experiência real para poder se extrapolar para os domínios da imaginação. Dentro disto, não me vejo em constante desalento e conflito, como creio que muitos poetas estiveram e estarão. Antes de mais, em termos de realidade pessoal, volto a sublinhar, é o poeta um ser de constante exigência, naturalmente direcionada para o seu trabalho, fruto de um esforço de lapidação, de depuração de essências e melodias, de apuro de brilho. Mas esse é o meu trilho, ou seja, o modo como a minha natureza se expressa por meio do exercício poético, embora a poesia, como cerne e extensões daí resultantes, esteja envolta em tantos mistérios…
É a Poesia o parente pobre e mal compreendido da literatura?
Sim, é. E porque muitos indivíduos, por pouco entendimento, assim a julgam. Por ser mal compreendida torna-se o parente mais ostracizado da longa e ilustre família a que pertence. Obviamente, não a considero um parente pobre, muito pelo contrário: é das formas mais apuradas de literatura. Bem, poderíamos estar aqui a discutir os conceitos de Poesia e Literatura, mas esse é um assunto que dá azo a uma grande divagação. Falo somente, como é natural, do meu modo de os entender e, sobretudo, de os viver em primeira mão. Portanto, a poesia é pouco compreendida, e porque existe desânimo nos primeiros passos desse caminho, logo se a rotula de difícil, de coisa estranha, de experiência a evitar. A solução para isto reside nas escolas, a meu ver, onde a leitura poderia ser melhor educada. Explorar mais os autores e os poemas, as emoções e pensamentos neles contidas, os gritos surdos aí disfarçados, as celebrações que em parcas linhas se exaltam… Mais do que aspectos gramaticais ou outros traços técnicos, que de facto detêm a sua importância mas não serão determinantes, há que saber abrir uma mão e guiar o jovem leitor nessa aventura de mergulhar no coração de um poeta. Claro, como em tudo existem gostos pessoais. Se alguém não aprecia sopa de tomate, de nada vale tentar instigar-lhe o gosto. Mas muitos caem no julgamento fácil, muitas vezes graças a más experiências escolares. É disso que falo, e por alguma experiência pessoal, pois já assisti a algumas mudanças de opinião. A poesia pode exigir um pouco de paciência e determinação; é importante aprender a estar disponível para ela. Será um óptimo começo. Então, tornar-se-á cada vez mais claro que o importante nem é compreendê-la… Mas sim vivê-la.
O que o inspirou a escrever Quando as manhãs eram flor?
Nunca sei, objectivamente, quando irei escrever um novo livro. Escrevo, somente. Sigo a espontaneidade do acto, desde o mistério de onde a palavra brota ao seu dedicado arranjo. Nesse processo, que como se vê é bem mais do que meramente um exercício de registar palavras, algo se vai exalando, agitando, implorando uma justa manifestação. No fluir dessa corrente vou observando diversas cores e melodias, e é com base nisso que saberei quando um novo trabalho começa ou não. Portanto, não é algo propriamente premeditado, mas sim, ao nível do impulso, espontâneo, e por isso autêntico, genuíno. Foi o que aconteceu com esse trabalho. Os primeiros poemas terão surgido, sem que o adivinhasse, em meados de 2014. Devido ao cariz que iam apresentando, pois cada poema tem a sua natureza, a sua melodia, o seu perfume, aplicando-se o mesmo para um conjunto de trinta ou quarenta, por exemplo, comecei por colocá-los de parte. Na altura, guardei-os numa pasta que tinha o nome de “Ecos”, pois eram poemas, digamos, saudosistas, que davam a conhecer ao leitor, através da sua recordação, um certo amor vivido pelo sujeito poético. Falavam de partidas, de prenúncios de despedida, de ameaças escondidas nas faldas do verão. Daí o nome inicial, em jeito de esboço: pareciam ecos de vivências passadas, querendo ser recordadas por forma a serem, por fim, expurgadas. Ou, por outras palavras, um amor antigo que requeria a aceitação de todo o sucedido para que se desse a catarse da dor remanescente. Em 2015 o âmago da obra tornou-se bem mais definido, com traços já muito próximos daqueles que hoje o livro tem. Nos princípios de 2016 surgiram os últimos, pois nesses primeiros meses senti que teria material suficiente para compilar um novo trabalho. Mas não só: deixaram de surgir poemas com perfume idêntico. Curiosamente, muitos dos primeiros “ecos” foram colocados de parte. Agora, à distância, compreende-se melhor, assim como antes referi, como vários rostos se colaram ao rosto da amada do sujeito poético e como a mera evocação de diversos episódios vividos, sempre com a ameaça da finitude no dobrar de cada curva, trouxe em si a luminosa catarse, o entendimento que, afinal, a morte é algo que não existe, somente o renascimento. O texto que encerra a obra concede essa pista ao seu leitor mais dedicado.
É mais fácil cantar as tristezas ou as alegrias?
Direi as alegrias, pois da fonte donde jorram é natural que canções nasçam. Então tudo se resume a uma melodia composta, muitas vezes extravasando a própria palavra que tenta defini-la ou simplesmente indicá-la. O problema das tristezas é a exposição que acarretam. Quem escreve expõe-se, invariavelmente. Poderá esconder-se nas capas do fingimento, mas quantas vezes não tem a máscara a forma do próprio rosto? Ademais, há ainda a questão de enfrentar o caso, a raiz da tristeza. Mergulhar fundo na dor, na dúvida, na fragilidade requer um coração afoito. Contudo, o meu exemplo não se encaixa no sentido da pergunta. A questão da exposição, assim creio, já a ultrapassei há algum tempo. Nas primeiras rimas que esbocei, aquelas que tinham acordes de guitarra por companhia, houve claramente esse travão. Dar a conhecer o nosso estado de espírito por esse meio, a princípio, requer alguma coragem. Com o tempo a sensação foi passando, pois fui retirando cada vez mais o foco no outro e a colocá-lo em mim. Não era tanto “o que o outro irá pensar?”, mas sim “o que quero eu dizer?”. É claro que há coisas que guardo para mim, mas se tal acontece não é pelo desejo de simplesmente as guardar, protegendo a intimidade num ímpeto receoso, é por não surgir qualquer impulso digno para registar tais pensamentos ou sensações no papel. Nem sempre o poema é confessional, embora nas entrelinhas muito se possa adivinhar. Acima de tudo, foi sendo meu intento firmar a genuinidade, a fidelidade à minha voz, a partir do momento em que a fui conhecendo. Se ela canta tristezas, pois que assim seja. Se forem alegrias, que de igual modo o seja. Não distingo. A facilidade que refere, no meu entender, mesmo sabendo-o subjetivo, reside na espontaneidade do primeiro gesto, no fluir do acto criativo por si só, muito antes de todas as lapidações e aprumos de que são alvo os meus poemas. A génese é limpa no seu impulso livre, e limpa em essência, pois a forma é algo que posteriormente se lima. E, sendo livre, espontâneo, genuíno… não há como ser difícil. Tenha um sol a brilhar no peito ou uma lágrima cravada na garganta.
Já alguma vez se deparou com alguém a ler algum dos seus livros? Como reagiu?
Que me tenha apercebido, nunca aconteceu. É curioso, pois no princípio, instigada por uma natural ingenuidade, essa hipotética situação visitava o meu imaginário diversas vezes: «Quando verei alguém lendo um livro meu? Terão sequer os meus livros qualidade suficiente para que ouse pensar em algo assim? Irei convidar o leitor para uma conversa breve? Que interessante seria se não me reconhecesse num primeiro momento!». Mas, que desse conta, nunca aconteceu. Nem é hipótese que me preocupe muito, hoje em dia. Se acontecer, acontece. Caso contrário, ser-me-á totalmente indiferente. O importante é que os leitores leiam, seja por gosto, interesse ou mera curiosidade. Os meus livros foram lançados ao mundo para isso mesmo. É como sempre digo: os meus livros são frutos que eu, árvore plantada na berma da estrada, ofereço a quem passa. Quem desejar esticar o braço e colher um ou vários, que o faça. E que tenha um óptimo apetite! Se desejar passar como se nada fosse… pois que assim seja. Limito-me a oferecer o melhor que sei produzir, nada mais. O resto já não é da minha responsabilidade. E sou feliz assim, nessa natural simplicidade das coisas simples – se o quiser chamar desse modo.
Considera que se aposta devidamente nos autores portugueses ou que as editoras tem deixado escapar ou não dão a devida atenção e visibilidade a bons livros escritos por pessoas desconhecias?
Nos novos autores a aposta é muito limitada e débil. Há gente com grande talento que demora a ter a oportunidade que o seu trabalho merece. Conheço alguns exemplos. E até compreendo a posição de muitas editoras, compreendo perfeitamente o risco de publicar um autor desconhecido. Mas só se é desconhecido por não existir uma divulgação conveniente, não é assim? Daí que editoras mais corajosas escarrapachem nas capas frases de outros autores mais conhecidos e incluam nos livros prefácios ou posfácios de nomes mais sonantes, de modo a tranquilizar o leitor que se depara com um autor ainda desconhecido. Existem também círculos muito fechados, onde certos indivíduos de renome parecem ter lugar cativo, editem ou não uma possível obra-prima. Esses nem precisam de o fazer, na realidade; o nome já garante vendas. O trabalho de “fazer nome”, para quem o desejar, é bastante árduo. E refiro-me a um percurso limpo e justo, nada de saltaricos sobre curvas e as cabeças (e livros) de outros que partilham a estrada com eles. Daí que tenham surgido nos últimos anos diversas editoras direccionadas para os chamados “jovens autores”, ou autores ainda desconhecidos. Mas nesse caso há que pagar pela edição do livro, gesto que, aliás, é muito comum, eu creio, hoje em dia, e por vezes até com boas hipóteses de retorno, há que dizê-lo. Ou seja, grande parte do que se edita é pago pelos autores, chegue ou não às grandes livrarias. Esse é outro problema: as grandes cadeias só aceitam em regra encomendas do livro editado nessas condições por uma chancela do tipo, nada de presença em escaparates. Portanto, o livro é editado e lançado em evento público, mas em termos de maior divulgação deixam quase sempre muito a desejar. Existem até cláusulas contratuais que só enganam os inocentes, dado as promessas que firmam, mas que na realidade traduzem-se em metas muito difíceis de alcançar, principalmente pela falha na divulgação. Claro que nenhuma editora pode obrigar o livreiro a expor o livro, mas sobre esse tema pouco mais sugerem do que realizar novos lançamentos. Se o autor tem poucos contactos e não é conhecido… de que lhe vale? Há também que ter em conta o seguinte: algumas dessas chancelas editam de tudo, desde que se lhes pague, o que diminui claramente o valor da sua imagem junto dos grandes livreiros, o maior meio de distribuição. Um autor jovem, e menos avisado, pode perfeitamente cair num lugar que não merece e sofrer pela reputação de quem o representa. Mesmo que tenha produzido um livro belíssimo. Se se ganha um prémio de relevo, o caso muda de figura. Se se possui contactos privilegiados também. Caso contrário, é um trilho muito duro e solitário, de insistência contínua. Mas quem disse que do mais rude chão não pode brotar a mais bela das flores?
Quais são os seus projectos para o futuro?
Tenho o meu próximo livro praticamente pronto. Quer dizer, para a fase em que se encontra, uma vez que não passa de um manuscrito revisto, estará pronto. Será mais um trabalho de poesia, e de cariz lírico, embora diversos desenvolvimentos nele se introduzam. Julgo que será notória a diferença para com os que o antecederam. De momento encontro-me em conversações com várias editoras no intuito de encontrar a melhor proposta de edição. Andamos sempre em busca de melhores condições, como compreenderá. Por agora, é isto. Não antevejo grandes novidades para breve, antes um longo caminho a ser trilhado. Mas tudo no seu tempo. A pressa não é sombra que me aflija.
Agradecemos ao Pedro Belo Clara por se ter disponibilizado para responder a esta entrevista.
Desejamos-lhe as maiores felicidades e sucesso!
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