terça-feira, 22 de março de 2022

Opinião “Limões na Madrugada”, Carla M. Soares

Sinopse:

"Ansiosa por regressar à Argentina, mas presa a Portugal, distante do homem que ama e da mulher com quem vive, Adriana está perante um dilema universal e intemporal: manter-se comodamente na ignorância ou desvendar o passado da família, como se de um caso policial se tratasse, enfrentando assim aquilo de que andou a fugir toda a vida, por mais doloroso que seja.

Num jogo magistralmente imaginado pela autora, entre a vida atual de Adriana e os ecos do Portugal antigo, machista e violento dos seus pais e avós, esta história, de uma família e dois continentes, é uma viagem entre o presente e o passado, uma ponte sobre o fosso cultural que separa as gerações, um tratado sobre tudo aquilo que a família pode fazer à vida de um só indivíduo.

Entre a sombra e a luz, deixando que por vezes os silêncios falem mais alto do que as palavras, Limões na Madrugada é um romance sobre o amor incomum, o poder da família e a necessidade da coragem.

Uma história tão subtil quanto implacável."


Opinião:

Limões na madrugada já estava na minha estante há bastante tempo, mas com os últimos anos tão atribulados, a verdade é que nunca senti estar com a disposição certa para ler mais um livrinho da Carla. As expectativas são e serão sempre elevadas, e não quis ler esta obra na altura errada. E, portanto, cá estamos, em 2022 a lê-la.

Para começar, a escrita da Carla é maravilhosa, e ler qualquer obra da autora é sempre sinónimo de uma leitura agradável. Em Limões na Madrugada temos uma narrativa um pouco diferente daquela a que a Carla nos habituou, um romance contemporâneo, e uma escrita que saboreamos página a página. Tudo começa quando Adriana, que reside na Argentina, recebe uma chamada de um advogado para receber uma herança da família que mal conhece, em Portugal.

Através de capítulos bastante curtos e de uma escrita melodiosa e simples, somos levados a conhecer esta personagem, maravilhosa e imperfeita, de quem a autora nos vai dando a conhecer um pedacinho de cada vez, só sendo possível conhecê-la verdadeiramente bem perto do fim da obra.

Acho que a palavra que melhor carateriza a obra é inovadora, pelo menos para mim. É daquelas leituras que nos deixa sem palavras - “entre a sombra e a luz, deixando que por vezes os silêncios falem mais alto do que as palavras” -, daquelas leituras em que ficamos a refletir durante horas e/ou dias. No entanto, queria mais!

Apesar de ser um livro sobre Adriana, queria ter conhecido melhor Chloe e Javier. No entanto, desenrolando-se a narrativa em torno da descoberta do “eu”, como podia eu ficar a saber mais do que o “eu”? Senti ainda que mesmo em relação a Adriana ficou muito por dizer, ou talvez tivesse sido essa a intenção, de deixar à imaginação do leitor aquilo que faltou saber sobre esta personagem.

"É um romance sobre o amor incomum, o poder da família e a necessidade da coragem. 
Vim conhecer um segredo. Vim descobrir-me. Oxalá nunca tivesse vindo.”

São palavras carregadas de sentimento, carregadas de dor.

Trata-se de uma obra onde são abordados temas deveras pertinentes e intemporais, dos quais poderia falar. Mas penso que o livro perde a magia com o mínimo spoiler e, como tal, não o vou fazer. Fico-me pela sinopse: “uma história tão subtil quanto implacável”. Ficou em mim um sentimento agridoce. Se, por um lado, o livro alcançou completamente o meu coração, por outro sinto que não estava preparada para ele, preparada para a subtileza com que a história me foi contada.

É sobre tanta coisa em tão poucas páginas. Apesar de não equivalente, agora que escrevo esta opinião, sinto-me como após ter lido Cem Anos de Solidão, de Gabriel Garcia Marquez. Há tanto que não sei sobre Adriana e que ainda queria saber. Relativamente aos temas abordados, quero refletir novamente sobre eles. Quero sentir novamente aquilo que a personagem principal sentiu. Quero ver novamente a sombra nos quadros.

Por fim, não podia não falar sobre a capa, sobre o Porto no fundo a preto e branco, um Porto que apesar das recordações menos boas tem consigo uma beleza indescritível.

“Entro no comboio no último instante possível e deixo-me cair no meu lugar. Respiro fundo, de alívio, e fico a ver, pela janela, o Porto a recuar. E o que vejo é uma jóia modorrenta e colorida empoleirada na colina, nebulosa pela manhã, soalheira à tarde. Abro um sorriso involuntário. É esta, afinal, a imagem que vou guardar desta cidade, uma ilusão que ignora os dias longos de chuva e os terrores. Meto a mão no bolso, à procura do telemóvel, para uma última fotografia. Lá dentro, encontro o grande limão amarelo.”

Em conclusão, é um livro pequeno em número de páginas, mas grande em emoção e em pertinência, subtil, mas carregado de poder. É um livro que provavelmente irei reler. É um livro que pode não agradar a todos, mas com uma escrita capaz de conquistar qualquer leitor.


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