quinta-feira, 23 de abril de 2020

Opinião "A Alegria de Ser Miserável", Rute Simões Rodrigues

38352716. sy475 Sinopse

O romance A Alegria de Ser Miserável explora a vida de um homem de feitio rude, que despreza o seu contexto social e a necessidade de relação com os outros. «Se alegria houvesse, e festa se anunciasse para a celebrar, Zé era convocado por carta, para não contaminar contentamentos». Porém, sofre uma embolia que lhe retira «a capacidade de sentir tristeza», ficando «impossibilitado de ficar deprimido», perdendo «competências em ser miserável». A sua irmã Alma da Encarnação, que «teria muito para fazer nesta vida e noutras, quem sabe, que no nome para lá tinha atalho», é uma personagem secundária que, num inesperado jogo de perspetivas, desenvolve uma singular densidade arquitetónica. O protagonista, Zé da Paixão, experimenta várias profissões irrelacionáveis, numa vida que é conduzida pelo acaso, e vem a conhecer uma mulher por quem sente uma fixação inconsequente. Num exercício literário que ultrapassa as habituais técnicas narrativas, a autora faz o seu personagem central assumir a coragem de sobrepor a vontade à oportunidade, conduzindo-o pelas suas teias mentais, dando uso a recursos narrativos atípicos. E à medida que a leitura se faz deixamos de ter a certeza se se trata na verdade de uma história de amor. É uma escrita leve, mas com subtis sinais de seriedade embutidos num intuitivo e engenhoso sentido de humor. Rute Simões Ribeiro expõe uma narrativa nova, destacando-se dela própria e ilimitando-se numa escrita, uma vez mais, sem grilhos e sem condicionantes.

Opinião 

Hoje trago-vos a opinião de A Alegria de Ser Miserável, de Rute Simões Ribeiro, uma escritora que conheci em Ensaio Sobre o Dever (Ou a Manifestação da Vontade), o seu primeiro romance, do qual fiquei imensamente fã. Li depois O Escritor e o Prisioneiro que não me tendo enchido as medidas, não deixou de ser uma leitura agradável e eximiamente escrita.

A Alegria de Ser Miserável foi-me enviado pela autora na altura da sua publicação, no início de 2018, e por isso sempre que passava na minha estante este livro lançava-me um olhar que me mergulhava em culpa por ainda não o ter lido. E merece todos os meus pedidos de desculpa pelo atraso, porque A Alegria de Ser Miserável revelou-se uma leitura deliciosa.

Conhecemos Zé, o protagonista, que de vulgar só tem o nome, e que apesar de carrancudo e corcunda nos conquista. Para ele tanto se lhe dá que o considerem antipático e estranho, avesso às convenções sociais. Não se preocupa com os problemas que não pode resolver. E tenta interferir o menos possível com os fios do destino, até que conhece Adelaide e percebe que às vezes tem de ser a nossa vontade a correr atrás.

Zé, sempre macambúzio, sofre uma embolia cerebral que lhe retira a capacidade de ser triste, o que parece ser uma bênção vem a revelar-se uma maldição. Afinal todos precisamos de estar tristes, quando assim as vidas o exigem.

Conhecemos Zé de dentro para fora, vemos as suas ideias, como elas se organizam e como entram em alvoroço, gostei muito desta perspectiva, identifiquei-me na verdade muito com ela, por sentir muitas vezes as minhas ideias em conflito tal e qual como acontece com o Zé.

Podemos também contar nesta obra com um narrador divertido e que faz companhia ao leitor, alguém que nos conta intimamente uma história.

À escrita de Rute não posso tecer mais elogios, já são parcos os adjectivos que tenho disponíveis. A sua escrita que se reinventa a cada página encanta-me, a novidade de palavras e sintaxe são tão naturais que parece que sempre se escreveu assim. Embora tenha gostado mais da premissa do seu primeiro romance, esta narrativa foi ao encontro das minhas expectativas e tenho mesmo muita pena que a Rute não tenha a visibilidade que merece. As livrarias têm nas suas estantes livros tão menores e estão a deixar escapar obras-primas como esta.

Portanto, recomendo esta leitura, se gostam de ler e conhecer autores portugueses, se gostam de Saramago, leiam os livros da Rute Simões Ribeiro. Vocês e ela merecem!

Podem ler a minha opinião de Ensaio Sobre o Dever (Ou a Manifestação da Vontade) aqui e a minha opinião de O Escritor e o Prisioneiro aqui




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